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Cuiabá, 26 de Abril de 2024
26 de Abril de 2024

15 de Março de 2018, 07h:55 - A | A

OPINIÃO / RENATO DE PAIVA PEREIRA

Palavras vazias

Politicamente correto: criaram uma série de maneirismos enfadonhos, saindo, ao final, muito pior a emenda que o soneto



Há anos a expressão “politicamente correto”, difundida na mídia no final do século passado, virou um incômodo clichê. De tão surrada ficou chata, tornando-se um lugar-comum insuportável.

Nada contra sua ideia original de evitar o uso de algumas palavras ou frases que possam parecer ofensivas a quem ouve. Claro que é desnecessário chamar de bichas os gays, ou de aleijados os que têm alguma deficiência física. O bom senso, por si só, sem precisar de regras, condena essas grosserias que agridem gratuitamente a maioria das pessoas.

Mas para fazer contraponto a essas talvez raras incivilidades criaram uma série de maneirismos enfadonhos, saindo, ao final, muito pior a emenda que o soneto. Por exemplo, a expressão “portadores de necessidades especiais”, sugerida pelo movimento PC (politicamente correto) para substituir deficiente físico está muito longe de dar alguma clareza ao termo. Pior só a que estava na outra ponta a clara, porém indelicada, palavra aleijado.

Na verdade parece-me impossível portar uma necessidade, posto que portar sugere carregar consigo ou transportar, no caso, uma insuficiência ou carência. A esse termo falta lógica: posso portar um objeto, uma qualidade, um defeito, mas necessidade é ausência ou falta, e como tal não pode ser portada.

Houve um tempo que velho era simplesmente velho e ninguém se importava com essa palavra. Mas de repente começaram a achar que não era legal nomear assim os anciões, então trocaram velho por idoso. Passados mais alguns anos substituíram o idoso, que já passou a ser ofensivo, por “terceira idade” e logo depois  “melhor idade”. Quem sabe usarão no futuro “reserva de sábios” para aposentar o “melhor idade” quando ficar desgastado.

Como idiotice não tem limite poderão usar “trabalhadores em disponibilidade” para designar os desempregados. Notícias sobre empregos nos jornais no futuro seriam: “A taxa de trabalhadores em disponibilidade subiu para 15%”.

Alguém que está lendo este artigo diria que é somente a opinião de um velho gagá  e ignorante, que sem a devida cátedra, se mete em assuntos de linguística, que não domina. Essa afirmação seria politicamente incorreta, ofensiva e grotesca e deveria ser substituída por “opinião idiota de um homem da melhor idade, metido a linguista”.

Ignorante e idiota metido a linguista podem permanecer, segundo os adeptos do politicamente correto, mas velho gagá não. Nota-se que as frases cruas soam impróprias e inconvenientes e que as modificadas, que pretendem corrigir as primeiras, deixam de ser inapropriadas para se tornarem ridículas.  

A própria expressão “politicamente correto” é totalmente vazia e imprecisa. Por que então não substitui-la por inconveniente, inoportuno ou impróprio? Desta forma poderíamos dizer que é inapropriado chamar de Matusalém um senhor de idade avançada e inconveniente referir-se a nordestinos indistintamente como baianos.

Também seria inoportuno chamar de “quebra-santo” os adeptos das igrejas evangélicas, e de macumbeiros os fieis de religiões africanas.

Ao final fica assinalado que já foi longe demais o conjunto de comportamentos defendidos pelo movimento PC, mesmo porque a palavra que o representa traz na origem um claro pedantismo, além de evidente inexatidão.

RENATO DE PAIVA PEREIRA é empresário e escritor

[email protected]   

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