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Cuiabá, 06 de Maio de 2024
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13 de Outubro de 2018, 07h:55 - A | A

OPINIÃO / ROBERTO BOAVENTURA

Nosso porvir

Precisamos tentar entender os porquês de termos chegado a esse ponto de tão perigosa divisão, que, aliás, mal começou



No último dia 07, ocorreu a polarização política que não poderia ter ocorrido em nosso país. Lembrando Drummond, eis a clássica pergunta: e, agora, José? 

Agora, precisamos tentar entender os porquês de termos chegado a esse ponto de tão perigosa divisão, que, aliás, mal começou. Se, no segundo turno, se confirmar a vitória dos bolsonaristas, o que parece provável, muita coisa nova – e não necessariamente razoável – estará por vir, podendo transformar o porvir de muitos brasileiros num verdadeiro inferno. 

Na tentativa de pensar sobre os motivos que nos trouxeram a esse ponto de esgarçamento, é preciso ouvir e compreender a sustentação discursiva que deu a vitória – por ora, parcial – a Bolsonaro, um antigo deputado federal que sempre esteve nas fileiras do baixo clero do Congresso. Antes de se lançar à presidência, Bolsonaro, saído da reserva das Forças Armadas, raramente era lembrado – sequer visto – por alguém que não fosse do Rio, seu estado de origem. 

Mas, afinal, qual é a base discursiva dos bolsonaristas? 

Resposta: é tríade Tradição, Família e Propriedade. Em outras palavras, a famosa sigla da entidade cristã TFP, cujo lema, no Brasil, é “ipsa conteret” (“Ele vai”), retirado do universo bíblico (Gênesis; 3,15). Centralmente, aquela passagem bíblica refere-se ao ato do esmagamento da cabeça da serpente que provocara um tipo de “abalo sísmico” no Paraíso; ou seja, uma lorota que nos acompanha desde o ventre, mas que tem efeito devastador coletiva e individualmente. 

Mas por que esse discurso conservador/reacionário, que estava adormecido, reapareceu agora? 

Justamente porque ele estava adormecido, não extirpado; logo, se provocado fosse, poderia se reanimar. Provocado foi. Reanimou-se. 

Quem o provocou? 

Antes de quaisquer outros, os adversários diretos dos bolsonaristas no primeiro turno, ou seja, os petistas, que, aos bolsonaristas, incorporam o fazer maligno da serpente, que precisa ser esmagada. 

Cá entre nós, a corda foi esticada demais, e por muito tempo. De fato, não é qualquer um que aceita friamente um presidiário dar ordens políticas, de dentro de sua cela, para manipular seu partido. Isso pode ter sido a gota d’água. Mas antes da gota, um tsunami ocorreu durante o reinado petista, eleito com base em discursos de honestidade política. 

Desse tsunami fazem parte dois esquemas criminosos: o Mensalão e o Petrolão. Se aos petistas apaixonados isso é irrelevante, podendo ser esquecido e perdoado, aos demais brasileiros, não necessariamente. 

O discurso petista de “eles também são corruptos” (e, de fato, são) parece que não terá a sustentação e a duração que se pretendia. Ele poderá ser interrompido com a ascensão dos bolsonaristas ao poder. 

Com essa subida, esmagando a cabeça da serpente petista, tudo o que pode estar por detrás da “tradição”, “família” e “propriedade” virá com força por meio de decretos, projetos de lei, emendas constitucionais... 

E o que está por detrás desses termos acima? 

Com base no discurso de defesa da ordem e da segurança, encontra-se o conjunto de direitos humanos duramente conquistados. Eles poderão ser perdidos. Com certeza, serão interrompidos. 

Dificultadas também serão as lutas do “politicamente correto”, que, cá entre nós, também esticou a corda desnecessariamente em várias situações. Nesse bojo, novos (e reacionários) direcionamentos para a educação poderão vir. 

Enfim, o porvir do povo brasileiro será vigiado, controlado; logo, apequenado. 

O que nos resta? 

Saber que “desesperar, jamais”.

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é professor de Literatura da UFMT e doutor em Jornalismo.

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