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Cuiabá, 05 de Maio de 2024
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19 de Junho de 2020, 07h:00 - A | A

OPINIÃO / GEANDRE BUCAIR

O bejio, a confissão, a educação e a audiência

Como se vê, o ambiente da internet ainda é desconhecido para muitos e, para outros, torna-se terreno fértil para más inclinações.



É ali.

É ali que se conhece pessoalmente as vidas que estão por detrás dos processos.

É ali que se ganha ou se perde a ação.

É ali, no sagrado momento da audiência.

Estou convicto de que não é possível realizar audiência para colheita de provas orais de forma virtual, como têm recomendado os Tribunais.

A importância do momento da audiência para colheita de provas inviabiliza a sua realização de forma diversa da presencial.

Estrategicamente bem conduzida, é ato decisivo para o processo. Não obstante à relevância de todos os atos processuais, a audiência de instrução sobressai.

A audiência de instrução processual apartada dos moldes tradicionais, fatalmente dispersará a justiça, gerará insegurança e poderá levar ao descrédito esse importante momento.

A audiência nos moldes antigos é imbatível, apesar de vivenciarmos tempos modernos.

Realizando-a de forma virtual, inevitavelmente a figura do Juiz sensível sucumbirá, pois a sensibilidade restará afetada. 

Em audiência de instrução, já presenciei Juiz sair do seu lugar, sentar no meio das partes e dos advogados, e resolver pendenga de décadas.

Já vi Juiz suspender a audiência, entrar em seu carro e ir até o local confirmar a situação que estava sendo abordada.

Em solenidade semelhante, presenciei a reconciliação de casais que estavam separados.

Também já vi Juiz sentenciar em audiência de instrução e desmascarar testemunha mentirosa pela “fala” do seu corpo. Sim, o corpo “fala”!

 E, cá entre nós, sem contato não há impacto.

Há coisas na vida que precisam de contato. Um beijo apaixonado, a confissão junto ao sacerdote, a educação de um filho, e, a sagrada audiência de instrução.

Nos dias atuais, onde é notória a tendência de se virtualizar tudo, não cabe espaço para transmudar esse momento sublime.  

O princípio da persuasão racional do Juiz também restará afetado. Tal princípio admite a livre apreciação da prova pelo magistrado. E o que se observa, na prática, é que o Juiz aprofunda-se minuciosamente no processo no momento da realização da audiência de instrução, utilizando-se do próprio tempo da audiência para esmiuçar e dirimir suas dúvidas, além de firmar o seu convencimento.

Virtualmente, isso se perderá.

É compreensível o esforço do Poder Judiciário em querer movimentar a máquina e promover a devolutiva social no intuito de solucionar conflitos e permitir o prosseguimento da vida em sociedade, principalmente neste delicado momento de pandemia.

E diversos argumentos têm sido levantados na defesa da realização virtual deste belíssimo “ato de ouvir”, um deles é a boa fé.

Ora, se pudéssemos partir do pressuposto de que todos agirão de boa fé por trás das câmeras, nem mesmo precisaríamos de tantos diplomas legais com o fundamento de regular a vida humana em sociedade. Seria ideal que os direitos do próximo fossem respeitados e resguardados pela boa fé. Conflitos não haveriam de existir se de fato a boa fé prevalecesse, até porque a boa fé antecede à existência de qualquer processo.

Infelizmente, não é isso que se observa diariamente em nossos Tribunais.  Eles estão abarrotados de muitos conflitos entre pessoas que não tiveram boa fé no trato de seus negócios/relações pessoais. Sendo assim, não se pode partir do princípio de que todos agirão com boa fé no ambiente informal do computador.

Além disso, pesquisa do IBGE, divulgada em 29.04.2020, mostra que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet. Em números totais, isso representa cerca de 46 milhões de brasileiros que não acessam a rede.

Como se vê, o ambiente da internet ainda é desconhecido para muitos e, para outros, torna-se terreno fértil para más inclinações.

E, no caso de um processo, essa análise é muito simples. Num processo judicial não há romantismo. As duas partes querem ganhar. Ninguém quer perder!

Portanto, a imprescindibilidade da produção de prova oral torna imperiosa a realização da audiência de instrução de forma presencial, ainda que estejamos vivendo um momento excepcional, pois excepcional também é o momento sagrado da audiência de instrução.

Geandre Bucair é advogado.

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