JOSÉ ANTONIO LEMOS
Gosto não se discute, já é dito pelo menos desde a Idade Média. Ou, gosto se discute, como dizemos os pós-modernistas, includentes.
Aparentemente discordantes, as duas afirmações querem dizer a mesma coisa, isto é, cada um tem o direito de gostar ou não gostar de qualquer coisa.
As duas frases contrapõem-se à posição modernista, que em sua pretensão racional descambou para um determinismo prepotente, autoritário e excludente, convicta de que a beleza e a verdade eram sua exclusividade.
A beleza e a verdade estão ao alcance de todos, cada um com seu jeito, caminho, modo de expressar e essa rica diversidade deve ser respeitada e assimilada, ainda que discordada.
O desfile de cada uma das escolas de samba do Rio de Janeiro é um espetáculo artístico monumental compondo com os desfiles das outras escolas aquele que é o maior show da terra.
Nesse contexto o desfile da Mangueira deste ano foi belo como sempre, ganhando inclusive o Estandarte de Ouro como a melhor das escolas, e teve Cuiabá como enredo.
Claro que pelo Brasil e mundo afora houve quem gostasse mais de outras, o que é normal. Para a gente de Cuiabá, cuiabanos natos ou não, essa apreciação é mais complicada, pois para nós entram em jogo fatores adicionais tais como o afeto citadino (ou desafeto), a ligação direta com as pessoas, as coisas, a cultura etc.
Tem ainda a politicagem abominável com sua crença idiota de que o êxito de uma iniciativa pública é vitória do adversário e deve ser “neutralizada”.
Acompanhei o desfile por uma rádio do Rio e depois pela TV, na expectativa de assistir a um espetáculo de carnaval preparado para ser visto como tal, e não a um relatório técnico-científico sobre Cuiabá.
Neste caso, buscaria o importante “Perfil Socioeconômico de Cuiabá”, produzido pelo extinto IPDU da prefeitura, que espero continue sendo editado todos os anos. Na minha avaliação de cuiabano, suspeita portanto, fiquei maravilhado com o desfile, na forma e conteúdo.
Carnaval é fantasia e eu vi uma bela interpretação carnavalesca de Cuiabá a partir da visão da Mangueira sobre a cidade. O artista era a Mangueira e ela chegou a um resultado da maior qualidade, inclusive com propostas audaciosas como a exitosa dupla-bateria ou o belo carro de fechamento, maior que devia.
Cantando a “capital da natureza”, lá estavam a história, a fauna, a flora e a cultura cuiabanas, em especial a exaltação em alto e bom som ao sonho da ferrovia, portanto, exaltação à continuidade da luta de Cuiabá por ela, já tão perto.
Vejo a Escola de Samba como a Ópera moderna inventada no Rio de Janeiro, tendo na Sapucaí seu principal palco e a Mangueira como a maior, mais tradicional e uma das mais queridas intérpretes.
Foi comovente ver Cuiabá como enredo da Mangueira com quase 100 mil pessoas no Sambódromo cantando seu nome com alegria e empolgação para o Brasil e todo o mundo por mais de hora e meia: “Bendita sejas terra amada, o coração da América do Sul”.
É pouco? Baixada a emoção dá para perguntar, podia ser melhor? Podia, é claro. Podia ter alguns ajustes? Podia. Mas mesmo assim foi belo e importante para Cuiabá.
Enfim, como a Copa com Maggi, a corajosa iniciativa do ex-prefeito Chico Galindo trouxe e trará ainda mais resultados positivos para a cidade, elogio de um crítico constante de sua administração, seja pela extinção do IPDU, a truculência na alteração da Lei do Uso do Solo ou pela quase venda da Policlínica do Verdão.
A propósito, uma pessoa conhecida, aquidauanense residente aqui - que não é o meu irmão super cuiabano nascido em Aquidauana(MS) - me disse que, tão logo terminou o desfile seus familiares, ligaram empolgados dizendo que lá estavam até soltando fogos, alegres com a homenagem prestada a Cuiabá.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é professor universitário em Cuiabá.