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Cuiabá, 13 de Maio de 2024
13 de Maio de 2024

21 de Agosto de 2016, 10h:00 - A | A

POLÍCIA / "BANDA PODRE"

Justiça condena investigador da Polícia Civil a 4 anos de prisão em MT

Hairton Borges Júnior foi condenado a 4 anos de prisão e 60 dias multa pelo crime de peculato. Porém a pena privativa de liberdade, foi substituída por medidas privativas de direito.

JÉSSICA MOREIRA
DA REDAÇÃO



Acusado de apropriação indevida de bem público, o investigador da Polícia Civil  Idalmir Bezerra Ferreira foi absolvido da acusação feita pelo Ministério Público Estadual, por sentença da juíza da Sétima Vara Criminal Selma Rosane Arruda, que na mesma ação penal, condenou a quatro anos de prisão e 60 dias multa pelo crime de peculato, o invetsigador Hairton Borges Júnior. Porém a pena privativa de liberdade, foi substituída por medidas privativas de direito. 

O condenado terá que prestar serviços para a comunidade ficar em casa nos fins de semana entre as 23h às 6h. Hairton foi exonerado porque um procedimento administrativo disciplinar (PAD) concluiu que havia provas suficientes de que ele extorquia traficantes para liberar o comércio de drogas em bairros da periferia de Cuiabá. 

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A decisão não decreta perda de função porque Hairton já não faz mais parte dos quadros da Polícia Civil.

PAD comprovou que Hairton cobrava entre R$ 3 mil a R$ 10 mil dos traficantes para fazer ‘vista grossa’ do comércio de entorpecentes. 

Quanto à condenação atual, a denúncia foi encaminhada ao MPE em janeiro de 2012 onde os dois investigadores, lotados na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), se apropriaram indevidamente de patrimônio público. 

Hairton se apropriou de um rádio HT Motorola com carregador e um cilibim com cabo. Já Idalmir se apropriou do revólver Taurus de calibre 38, depositado em seu nome para uso em serviço, cuja devolução estava obrigada a realizar em 22 de setembro de 2009. 

Quando foi realizado mandado de busca e apreensão, na casa do acusado, foi encontrado o revólver que pertencia ao Estado. Em sua defesa na ocasião Hairton disse que a arma pertencia ao investigador Idalmir, que era seu vizinho, e teria esquecido a arma na casa na noite anterior.

Em depoimento, o absolvido confirmou que tinha esquecido a arma na casa do policial vizinho pois a mesma que fica na cintura ‘incomoda quando a pessoa senta’ e por este motivo tirou o revólver e esqueceu o ele em cima da mesa enquanto tomavam cerveja. 

Hairton disse também que estava com o rádio que pertencia à Polícia Civil porque ira concertar o aparelho que estava estragado. 

Diante dos fatos a magistrada encontrou provas suficientes para condenar o investigador. 

 VEJA A ÍNTEGRA DA DECISÃO

A Representante do Ministério Público desta Comarca ofereceu, em 12/12/2011, denúncia contra: 

“PRIMEIRO DENUNCIANDO – HAIRTON BORGES JÚNIOR, alcunha “Borjão”, brasileiro, casado, Investigador de Polícia, nascido em 22/10/1975, natural de Aragarças-GO, portador do RG nº 775.726 SSP/MT e inscrito no CNPF sob o nº 594.006.331-49, filho de Airton Santana Pereira Borges e Jovanir Santos Borges, residente e domiciliado à Rua Maricá, nº 188, bairro Pedegral, Cuiabá-MT. Atualmente recluso no Presídio Militar de Santo Antônio de Leverger, pela prática do delito tipificado pelo artigo 312, caput, do Código Penal por 02 (duas vezes), e 

SEGUNDO DENUNCIANDO – IDALMIR BEZERRA FERREIRA, brasileiro, Investigador de Policia, nascido em 26/12/197, natural de Araguaçu-TO, portador do RG nº 917671 SSP/MT, inscrito sob o CNPF nº 535.566.741-49, filho de Daniel Ferreira Correia e Maria Amélia Bezerra Ferreira, residente e domiciliado à Rua Maricá, nº 73, bairro Pedregal, Cuiabá-MT, telefone: (65) 3653-0092, pela prática do delito tipificado pelo artigo 312, caput, do Código Penal, cujas condutas ocorreram de forma que passa a relatar:

DOS FATOS

O presente procedimento foi instaurado a partir de informações extraídas do inquérito policial de nº 9195-17.2011.811.0042, no qual figurava como investigado HAIRTON BORGES JÚNIOR frente o encontro em sua posse de armamento e munições de uso restrito, o que desencadeou a ação penal (código 311089) que tramita perante a 5ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá. 

A apuração revelou a ocorrência de apropriação de bens públicos por parte dos apontados investigadores de polícia, a saber:

1 – Que HAIRTON BORGES JÚNIOR, investigador de polícia lotado na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa – DHPP, valendo-se da facilidade que lhe proporcionava a condição de funcionário público, em data incerta APROPRIOU-SE EM PROVEITO PRÓPRIO DE UM RÁDIO HT MOTOROLA nº 12.826- PJC e nº de série 672NAW0337 com carregador e UM CILIBIM COM CABO. 

2 – IDALMIR BEZERRA FERREIRA, também investigador de polícia lotado na DHPP, em 23/09/2009, igualmente se aproveitando de seu cargo público SE APROPRIOU DO REVÓLVER TAURUS CALIBRI 38, nº RI690164 depositado em seu nome para uso em serviço, cuja devolução estava obrigada a realizar em 22/09/2009, cujos fatos ocorreram de forma que passa a expor:

Informa que no dia 03/06/2011, dando cumprimento a MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO de nº 31/2011, expedido pelo juízo da 9ª Vara Especializada em Delitos Tóxicos da Comarca de Cuiabá (Código 309214 às fls. 21), policiais lotados na Corregedoria Geral da Polícia Judiciária Civil, com o apoio do Grupo de Operações Especiais – GOE, sob a coordenação do delegado de polícia Luiz Fernando da Costa, compareceram à residência de HAIRTON BORGES JÚNIOR ora DENUNCIANDO, situada à Rua Maricá, nº 188, bairro Pedregal nesta capital. 

As buscas realizadas foram acompanhadas pelos vizinhos Srª Ledoina Bom Despacho, RG nº 05939046-0 SSP/MT e Sr. Flávio Felipe Bom despacho de Souza, RG nº 1964351-8 SSP/MT.

Na oportunidade dentre diversos outros bens apreendidos foi encontrado na última gaveta do guarda roupa 01 (um) revólver TAURUS, calibre 38, SPECIAL, cromado, nº RI 690164 contendo o brasão de identificação da Polícia Judiciária Civil/MT, municiado com 07 (sete) cartuchos intactos.

Em sequência, foi localizado: 01 (um) HT Motorola nº 12.826-PJC nº de série 672NAW0337 com carregador; 01 (um) Cilibim com cabo (vide fls. 23/24). 

Indagado na ocasião pelos policiais a respeito da procedência dos bens de propriedade da SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA informou: 

1 – Do revólver encontrado com a identificação da PJC/MT, HAIRTON BORGES respondeu que a arma encontrava-se depositada em nome do investigador de polícia IDALMIR BEZERRA FERREIRA, que é seu vizinho e, na data do dia 02/06/2011 esteve em sua residência e a esqueceu em cima do balcão da cozinha da área de sua casa. Afirmou que havia guardado a arma no local onde foi encontrada para posterior devolução;

2 – Que o Rádio HT Motorola nº 12.826-PJC nº de série 672NAW0337 com carregador havia lhe sido depositado para uso em serviço quando lotado na extinta Delegacia Especializada de Roubos e Furtos (DERF) e um Cilibim com cabo também tinha sido depositado em seu nome para uso em serviço, quando lotado na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

Inquirido pela autoridade policial, HAIRTON BORGES COFESSOU, que não efetuou a devida devolução do Rádio HT nº 12.826-PJC com carregador e do Cilibim pertencentes ao acervo da PJC-MT, alegando que mantinha o Rádio em seu poder, para consertá-lo, uma vez que apresentou defeito após cair dentro d’água, quando efetuava a perseguição a suspeito e, em relação a não devolução do CILIBIM nada afirmou. 

Informa que foi constatado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, que o RÁDIO HT Motorola nº 12.826-PJC nº de série 672NAW0337 fora recebido sem condições de uso e, o CILIBIM com cabo, não possuí número de registro patrimonial da PJC/MT e fora restituído em condições de uso (vide fls. 82).

Necessário ressaltar que o HAIRTON não comunicou a DHPP, unidade policial a qual era lotado, que o Rádio HT havia apresentado defeito, para que então fosse consertado, evidenciando que não pretendia devolvê-lo. 

Ora, é estranho sua alegação que pretendia arcar com o custo do conserto de bem público, danificado quando utilizado no interesse do serviço público. 

Registra que o Rádio HT foi entregue em 08/05/2001 à extinta Delegacia Especializada de Repressão de Entorpecentes (vide fls. 87/88) e não há registros de depósitos para a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, a qual, HAIRTON BORGES era lotado. 

Interessante observar que HAIRTON alega que recebeu o RÁDIO e o CILIBIM quando se encontrava lotado na Delegacia de Roubos e Furtos, todavia, analisando sua ficha funcional, cuja cópia encontra-se juntada as fls. 95/100, não foi encontrado registro desta lotação e, tampouco na de Repressão a Entorpecentes.

Veja, portanto, que não restou esclarecido como que os apontados bens públicos chegaram à mão do referido servidor.

Pesquisa realizada junto à Gerência de Armas, Explosivos e Munições – GAEM/PJC-MT revelou que o referido revólver pertence ao acervo da Polícia Judiciária Civil – MT e fora depositada no dia 26/03/2009 ao investigador IDALMIR BEZERRA FERREIRA, lotado na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa – DHPP, conforme Termo de Depósito às fls. 27, a título de empréstimo pelo período de 180 dias, prazo que se esgotou em 22/09/2009. Informa que não houve prorrogação do prazo de depósito.

Registra que, de acordo com a Lei Complementar nº 155/2004 que regula atos administrativos da PJC/MT, computam-se os prazos excluído o dia do início e incluindo o dia do vencimento, contados por dias corridos.

Veja, portanto, que IDALMIR não restituiu a arma no prazo apontado e sequer requereu a prorrogação do depósito, ao contrário, apossou-se do bem como se dono fosse e, nesta condição permaneceu por mais de dois anos.

Neste sentido destaca o seguinte julgado:

“a consumação do crime de peculato apropriação previsto no art. 312, 1ª parte, do Código Penal, ocorre no momento em que o funcionário público, em virtude do cargo, começa a dispor do dinheiro, valores ou qualquer outro bem móvel apropriado, como se proprietário fosse” (grifo nosso) (Jurisprudência nº 985368 SP 2007/0210896-0, Ministra Laurita Vaz, 5ª turma, Superior Tribunal de Justiça).

Interessante registrar que há indícios de que não procede a notícia de que a arma foi esquecida na residência de HAIRTON, ao contrário, acredita-se que a arma foi cedida por IDALMIR a HAIRTON, que em razão de ter sido indiciado no Inquérito Policial – Código nº 309214 foi obrigado a restituir sua arma, assim para que o colega não ficasse sem arma, cedeu a sua. 

Esta suspeita ganha força frente à informação de que IDALMIR em 26/02/2008 recebeu em cautela uma pistola .40 nº série SRI54360 (vide fls. 70) e, naturalmente é esta a arma que utilizada diariamente em seu trabalho, já que é mais nova que o revólver.

Todavia, é inconteste que manteve o bem público em sua posse ignorando o TERMO DE DEPÓSITO. Considerando que a autorização para dispor do bem se encontra expirada, constata-se que a detenção e posse do bem não era mais regular e legítima e, portanto, não reconhecia a SSP/MT legítima proprietária. 

Inquirido perante a autoridade policial, IDALMIR BEZERRA FERREIRA, ora DENUNCIANDO, confirmou as informações prestadas por HAIRTON quanto ao revólver encontrado na residência deste e, CONFESSOU que não efetuou a devolução do revólver TAURUS calibre 38, alegando que não tinha conhecimento de que deveria tê-lo devolvido. 

O encontro e apreensão dos apontados objetos na residência de HAIRTON BORGES encontra-se documentado as fls. 23/24 e nos depoimentos de fls. 08/12. 

com o fim de ilustrar a personalidade do DENUNCIANDO – HAIRTON BORGES JÚNIOR, para fins do artigo 59 do Código Penal informa que, responde aos seguintes processos criminais:

PROCESSOVARA CRIMINAL de 

CUIABÁ

Nº 3680-69.2009.811.0042, Código nº 136422: Tentativa de homicídio- art. 121 c/c artigo 14, inciso II do Código Penal12ª Vara Criminal

Nº 6676-69.2011.811.0042, Código nº 309214: Concussão e crime relacionado a entorpecentes – artigo 33 da Lei 11.343/06 e artigo 316, caput, do Código Penal.9ª Vara Criminal

Nº 9195-17.2011.811.0042, Código nº 311089: Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito – artigos 14, caput (por duas vezes) e artigo 16 ambos da Lei 10.826/035ª Vara Criminal

Frente a todo o exposto, resta comprovado de forma clara e evidente que HAIRTON BORGES JÚNIOR APROPRIOU-SE EM PROVEITO PRÓPRIO do Rádio HT Motorola nº 12.826-PJC com carregador e do Cilibim com cabo e, IDALMIR BEZERRA FERREIRA APROPRIOU-SE do revólver TAURUS, calibre 38 SPECIAL, cromado, nº RI 690164 objetos que TINHAM POSSE EM RAZÃO DOS CARGOS PÚBLICOS QUE OCUPAVAM, ambos incidindo na conduta tipificada pelo artigo 312, caput, do Código Penal – PECULATO, razão pela qual devem ser condenados por tais condutas criminosas”. (fls. 03/08).

Encerrou a peça acusatória requerendo o seu recebimento, assim como a determinação da citação dos denunciados e demais termos da ação penal, as oitivas das testemunhas arroladas e, por fim, a condenação do acusado na sanção do dispositivo constante na inicial.

A denúncia veio acompanhada do rol de testemunhas e do Inquérito Policial nº 009/2011 (fls. 14/113).

Em 10/02/2012 foi proferida decisão determinando a notificação dos acusados HAIRTON BORGES JUNIOR e IDALMIR BEZERRA FERREIRA para apresentarem defesa prévia, nos termos do artigo 514 do CPP (fls. 114).

Os acusados HAIRTON BORGES JÚNIOR e IDALMIR BEZERRA FERREIRA foram notificados (fls. 120 e 125) e apresentaram defesa inicial em 26/03/2012 e 28/06/2012, respectivamente. (fls. 121/122 e 126/164).

Decisão proferida em 30/07/2012 analisou as defesas apresentadas, recebeu a denúncia ofertada pelo Ministério Público e determinou a citação dos acusados para responderem à acusação (fls. 165/166).

O réu HAIRTON BORGES JÚNIOR foi devidamente citado em 26/09/2012 (fls. 170/171). Já em relação ao acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA a citação ocorreu em 20/02/2013 (fls. 176). 

A defesa do denunciado IDALMIR BEZERRA FERREIRA protocolou resposta à acusação em 27/02/2013 (fls. 177/174).

Em 01/02/2014 o representante da Defensoria Pública protocolou resposta inicial em favor do acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR (fls. 204/205). 

Decisão proferida em 10/04/2014 analisou as respostas à acusação apresentadas e designou audiência de instrução e julgamento (fls. 206/207).

Realizada audiência de instrução e julgamento em 09/04/2015, foram inquiridas as testemunhas Ledoina Bom Despacho e Flávio Felipe Bom Despacho de Souza. O Ministério Público insistiu na oitiva das testemunhas Celso Carlos da Silva e Luiz Carlos da Silva Filho. Na oportunidade foi decretada a revelia do acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR, uma vez que, apesar de devidamente intimado para o ato, o denunciado não compareceu. (fls. 249/253). 

Em continuação a audiência anterior, foi procedida a oitiva das testemunhas Celso Carlos Da Silva, Silvia Maria Pauluzi, Adelson Manoel Gomes e Cleber Silva de Oliveira, bem como o interrogatório do acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA. Na ocasião foi homologada a desistência das testemunhas Luiz Carlos da Silva Filho, Diego Gustavo de Azevedo e Marciléa Moreira Milhomem de Azevedo (fls. 278/288). 

Na fase de diligências, o Ministério Público requereu juntada de documentos, o que foi feito conforme fls. 293/325. As defesas nada pugnaram a título de diligências (fls. 340).

Em 31/07/2015 o Ministério Público protocolou memoriais, requerendo o julgamento procedente da denúncia para condenar HAIRTON BORGES JÚNIOR pela prática do delito tipificado no artigo 312, caput, do Código Penal, por 02 (duas) vezes e, ainda, o julgamento improcedente da denúncia em relação ao réu IDALMIR BEZERRA FERREIRA, pela prática do delito tipificado no artigo 312, caput, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, VII, do CPP (fls. 341/352). 

A Defensoria Pública apresentou em 11/09/2015 alegações finais em favor do réu HAIRTON BORGES JÚNIOR, pugnando pela aplicação da pena base no mínimo legal, bem como o reconhecimento da atenuante da confissão e, ainda, fixação do regime inicialmente aberto (fls. 353/357). 

Em 09/10/2015 o patrono do acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA protocolou alegações finais e requereu a improcedência da denúncia e a consequente absolvição do acusado (fls. 359/377).

Após, vieram os autos conclusos. 

É O RELATÓRIO

FUNDAMENTO E DECIDO

Pretende-se através da presente Ação Penal atribuir a HAIRTON BORGES JÚNIOR e IDALMIR BEZERRA FERREIRA, já qualificados nos autos, a prática do crime de peculato, o qual se encontra tipificado no artigo 312, caput, do Código Penal.

A denúncia é parcialmente procedente.

A materialidade da conduta criminosa se encontra comprovada pelo termo de Exibição e Apreensão (fls. 31/32), pela confissão parcial do acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR na fase inquisitorial e pelas declarações das testemunhas colhidas na fase inquisitorial, reproduzidas em Juízo. 

Outrossim, apesar da materialidade do delito restar devidamente demonstrada, com relação ao acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA, vejo que não existem provas suficientes para a condenação.

No caso dos autos, restou isolada a prova produzida na fase inquisitorial, já que o réu nega peremptoriamente a autoria delitiva e nenhuma outra prova contra si foi produzida. 

Em síntese, posso afirmar que os indícios da autoria e materialidade foram satisfatórios para a conclusão do inquérito e para o oferecimento da denúncia, diante das circunstâncias que se apresentavam à época, mas não houve, em Juízo, o esclarecimento necessário a fundamentar uma condenação.

Não há nos autos acervo probatório suficiente para definir, com máxima certeza, se o acusado IDALMIR foi o autor do crime que ora lhe é imputado. 

Conforme exposto, no decorrer da instrução criminal o réu foi interrogado e negou ter praticado crime de peculato. Vejamos : 

IDALMIR BEZERRA FERREIRA disse que “(...) não conhece os acusados e que não são verdadeiros os fatos apontados na denúncia. Apenas esqueceu a arma na casa do colega. Era vizinho do Hairton, mas não possuem amizade de frequentar sempre a casa um do outro. No dia dos fatos foi até a residência de Hairton, pois ele estava passando por alguns problemas, tomaram uma cerveja e ficou até tarde na casa dele. Disse que quando se senta a arma incomoda muito, então no dia que estava na casa do Hairton colocou a arma em cima de um objeto perto do sofá. Foi embora e esqueceu a arma na casa do Hairton e buscaria no outro dia. Depois ficou sabendo da busca e apreensão que houve na casa de Hairton e que ele confirmou que havia esquecido a arma em sua residência. Pelo que soube foi Hairton quem apresentou a arma aos policiais. Não fez isso propositalmente. Tem amizade profissional com o Hairton. Como recebe várias ameaças decorrentes do trabalho sempre anda armado. Soube que foram encontrados um HT, cilibrim, na casa do Hairton. Que na época o Hairton estava sendo acusado, juntamente com outros policiais, por tráfico de drogas. Não doou e nem vendeu a arma para o Borges. (DVD fls. 288).

A versão do acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA é robustecida pelas declarações das testemunhas inquiridas em juízo e pelo depoimento do acusado HAIRTON prestado na fase inquisitorial. Da análise dos autos e de suas consignações, verifica-se que não restou cabalmente demonstrado que ele, utilizando-se da função que lhe era depositada, se apropriou de bem móvel público que tinha a posse em razão de sua função, em proveito próprio. 

Confira-se : 

LEDOINA BOM DESPACHO afirmou que (...) Acompanhou a diligência realizada na casa de Hairton. A arma apreendida estava guardada dentro da casa do Hairton. Recorda que Hairton disse que seu amigo Idalmir esqueceu na sua casa e que sua esposa havia guardado. No dia da diligência não ouviu Hairton dizer que a arma era da policia. No momento em que Hairton entregou a arma aos policiais deu a entender que o Idalmir havia esquecido a arma no local. (CD/DVD fls. 256).

FLÁVIO FELIPE BOM DESPACHO DE SOUZA disse que (...) era vizinho do Hairton Borges. Acompanhou uma diligência de busca e apreensão na casa do Hairton. Não viu onde a arma estava guardada. O delegado da diligencia perguntou à Hairton se na residência havia arma de fogo e Hairton disse que não tinha, mas que um amigo havia esquecido uma arma lá durante uma folga, enquanto tomavam uma cerveja. O Hairton pediu para a esposa guardar a arma, pois tinha filhos pequenos. Ela foi até o local e pegou a arma. No dia da diligência não conhecia o Idalmir, o Hairton havia dito que a arma era dele. Não ouviu Hairton dizer que a arma era da polícia. O Hairton informou no dia da apreensão que a arma havia sido esquecida na residência. (CD/DVD fls. 253) 

CELSO CARLOS DA SILVA narrou que (...) conhece os acusados, era policial civil. Participou de uma diligência de busca e apreensão na residência do Hairton, que se fazia presente no momento. Foi encontrada uma arma (...). O revólver encontrado na casa do Hairton estava acautelado pela Polícia Civil para Idalmir. Soube que o Idalmir esqueceu a arma na casa do Hairton, um dia antes eles estavam bebendo, e como na casa tinha criança a esposa do Hairton guardou a arma. Pode acontecer de um policial ter mais de uma arma acautelada. A quantidade de munições apreendidas estavam de acordo com o normal. A arma encontrada era de calibre 38 e estava em bom estado. (CD/DVD fls. 288)

SILVIA MARIA PAULUZI relatou que (...) conhece os acusados. Soube na Delegacia da busca e apreensão que ocorreu na residência do Hairton. Durante a prisão conversou com o Idalmir, ele disse que havia ido a casa de Hairton e teria esquecido a arma, e que na busca e apreensão na casa do Borges encontraram a arma. Trabalhou diretamente com o Borges em 2004/2005. Teve mais contato com o Idalmir, e não sabe de nada que desabone as condutas dos acusados. Idalmir é um excelente policial. Não se recorda dos demais objetos apreendidos. Disse que normalmente os policiais possuem duas armas. Acredita que não chega ao titular da arma alguma recomendação, de troca ou de vencimento. Acha que o vencimento da acautela de armas se dá em razão de negligência do policial do que por dolo. Era de praxe um investigador ter mais que uma arma. (CD/DVD fls. 288).

Nesse sentido, o acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR asseverou na fase inquisitorial que “estava com a posse do revólver TAURUS calibre 38, cromado, n. RI 690164, municiado com sete cartuchos, o qual foi apreendido em sua residência na manhã de hoje e reconhecido neste ato; QUE, o revólver pertence ao acervo da PJC e está depositado para o IPC IDALMIR, que trabalha na DEHPP, o qual é vizinho do INTERROGANDO e que esteve na data de ontem na residência do INTERROGANDO e esqueceu a arma em cima do balcão da cozinha da área; QUE, o INTERROGANDO guardou a arma dentro do guarda roupas; QUE, o INTERROGANDO pretendia devolver a arma para IDALMIR na data hoje; QUE, perguntado para o INTERROGANDO se ele sabia que é crime possuir arma de fogo sem autorização legal, o INTERROGANDO respondeu que tentou ligar para IDALMIR na noite de ontem mas não conseguiu encontrá-lo e que pretendia devolver a arma na manhã de hoje (...). (fls. 25).

Pelas declarações das testemunhas e do acusado HAIRTON, vê-se que realmente a arma apreendida na residência do mesmo era do denunciado IDALMIR BEZERRA FERREIRA, mas que, por descuido, havia esquecido o objeto no local. 

Ademais, pelas afirmações dos policiais civis, pode-se perceber que era comum um policial ter mais de uma arma acautelada em seu nome e que não tinham o hábito de verificar a data do vencimento desse acautelamento para que então pudesse ser regularizada essa situação. 

Desse modo, não há como afirmar que o denunciado IDALMIR dispôs de patrimônio público como se dono fosse, utilizando-o em proveito próprio ou de terceiro, bem como que tenha agido com vontade livre e consciente de apropriar-se do objeto, com o animus de não restituí-lo. 

Tem-se, assim, que as provas amealhadas nos autos são frágeis, não autorizam, portanto, a condenação do acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA.

A prova para servir à condenação tem que ser plena e indene de dúvidas. Mínima que seja a hesitação, o caminho a seguir é a absolvição.

Para que se possa declarar a existência da responsabilidade criminal e impor sanção penal a uma pessoa, é necessário que haja certeza de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Essa é a lição doutrinária:

"Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa, é necessário que adquira a certeza de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à verdade quando a ideia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a instrução, fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas. Essa demonstração que deve gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu pronunciamento é o que constitui a prova. Nesse sentido, ela se constitui em atividade probatória, isto é, no conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos etc.) e até pelo juiz para averiguar a verdade e formar a convicção deste último. Atendendo-se ao resultado obtido, ou ao menos tentado, provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo”. 

O decreto condenatório, para ser válido, impreterivelmente deverá estar ancorado em prova plena, escorreita e induvidosa do fato e da autoria. Na dúvida, em relação a esta ou em relação àquele, tem aplicação o brocardo in dúbio pro reo. 

Nesse sentido é a jurisprudência:

TJRS: “Aplicação do princípio ‘in dubio pro reo’. Autoria pelo apelante sinalizada como mera possibilidade. Tal não é bastante para condenação criminal, exigente de certeza plena. Como afirmou Carrara, ‘a prova, para condenar, deve ser certa como a lógica e exata como a matemática.’ Deram parcial provimento. Unânime.” (RJTJERS 177/136) 

O princípio do in dubio pro reo é explícito ao mencionar que uma sentença condenatória não pode ser baseada apenas em indícios, hipóteses ou algo parecido. Portanto, quando não há provas da autoria do crime, o juiz deverá absolver o réu. 

TACRSP: “Se o fato existiu, mas a prova não pode precisar o que realmente ocorreu, o réu deve ser absolvido com fundamento no art. 386, VI do CPP, e não no inciso I, do mesmo dispositivo” (RJDTACRIM 22/395). 

Nesse quadro, conclui-se, então, face não haver nos autos provas suficientes para a condenação, que o acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA deve ser absolvido do crime previsto no artigo 312, caput, do Código Penal, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. 

Contudo, a mesma sorte não assiste ao acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR. Conforme registrado acima, a materialidade do delito a si imputado restou sobejamente demonstrada nos autos. Com relação à autoria, as provas produzidas, ainda na fase inquisitorial e depois reproduzidas em Juízo, indicam ser ele o autor do crime em questão.

Em juízo, o acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR sequer compareceu para ser interrogado, apesar de citado e intimado, motivo pelo qual foi declarado revel. 

Entretanto, na fase inquisitorial foi ouvido, ocasião em que confessou que os objetos encontrados em sua residência, tais como o HT, Cilibrim e o carregador do HT, eram de propriedade da Polícia Judiciária Civil e que foram acautelados em seu nome no ano de 2005 em razão da função que exercia na Delegacia Especializada de Roubos e Furtos, mas negou ter se apropriados dos mesmos em proveito próprio ou alheio. Vejamos:

(...) QUE, o INTERROGANDO confirma que o HT, o CELEBRIM e o CARREGADOR de HT, ora apreendidos são de propriedade da PJC-MT; QUE, o HT e respectivo carregador foram cautelados para o INTERROGANDO no ano de 2005, época em que o INTERROGANDO trabalhava na DERF de Cuiabá, sendo que o aparelho apresentou defeito, já que caiu dentro da água durante uma perseguição que o INTERROGANDO fez a um suspeito no bairro praieiro, motivo pelo qual o INTERROGANDO pretendia consertar o aparelho para continuar usando; QUE, o CELEBIM está cautelado para a DEHPP e ficou sob a responsabilidade do IPC ADALTO e, após a prisão de Adalto, o INTERROGANDO ficou com o CELIBIM para seus trabalhos rotineiros; QUE, o notebook ora apreendido pertence ao filho do INTERROGANDO e o equipamento encontra-se com defeito; QUE, quanto aos aparelhos celulares apreendidos a maioria esta com defeito; QUE, os 49 cartuchos calibre P.40 são de propriedade do INTERROGANDO, já que tinha cautela de uma arma do mesmo calibre; QUE, o porto carregador de pistola triplo e o carregador de celular samsung são de propriedade do INTERROGANDO...” (fls. 24/25).

Conforme se verifica, o acusado narrou sua conduta como se normal fosse, e para tentar se justificar, criou uma tese de que não devolveu os objetos pertencentes à Secretaria de Segurança Pública tendo em vista que os mesmo estavam deteriorados e que então iria arrumá-los. Contudo, o réu não sustentou sua tese, visto que não foram produzidas provas que comprovem o seu alegado, estando essas versões totalmente dissociadas do conjunto probatório dos autos.

Com efeito, conforme se vê às fls. 31/32, no dia 03/06/2011 logrou-se apreender, na residência do acusado HAIRTON, objetos pertencentes a Policia Judiciária Civil. É sabido que esses bens deveriam ter sido devolvidos pelo denunciado, mas não o foram, tanto que estavam na propriedade do mesmo.

Para corroborar a prova produzida na fase inquisitorial, temos as declarações das testemunhas inquiridas perante o contraditório e ampla defesa, que participaram e acompanharam as buscas e apreensões realizadas na residência do denunciado, os quais narraram com detalhes como se deu o encontro dos objetos. Confira : 

LEDOINA BOM DESPACHO: conhece os acusados, sabe que eles são policiais civis. Presenciou a diligência realizada na residência do Hairton Borges. Na diligência acompanhou o recolhimento de materiais, de celulares, etc. Acredita que o Hairton não trabalha mais na polícia, não sabe o que levou o afastamento dele. Não sabe de nada que desabone a conduta do Hairton. (CD/DVD fls. 256) 

FLÁVIO FELIPE BOM DESPACHO DE SOUZA: era vizinho do Hairton Borges. Acompanhou uma diligência de busca e apreensão na casa do Hairton, recorda que na ocasião foram apreendidos celulares, um cilibim, uma arma de fogo e papéis. Não se recorda da apreensão de um rádio. Não sabe se Hairton esta trabalhando na polícia. (CD/DVD fls. 253) 

CELSO CARLOS DA SILVA: conhece o acusado, era policial civil. Participou de uma diligência de busca e apreensão na residência do Hairton, que se fazia presente no momento. Foi encontrado um cilibim, celulares e munição. O cilibim era de propriedade da Secretaria de Segurança Pública. Disse que a instituição fornecia munições para os policiais. Hairton não explicou sobre o cilibim. Foi apreendido também um rádio de comunicação da polícia. Acredita que quando foi realizada a busca e apreensão Hairton ainda estava trabalhando na polícia. No dia da busca só teve contato com o Hairton. Não sabe em nome de quem estava a carga dos demais objetos apreendidos. (CD/DVD fls. 288).

Ademais, restou demonstrado que havia um procedimento na Polícia Judiciária Civil para que os policiais tivessem a posse dos bens que pertenciam ao Órgão e que essa posse se dava através de um termo de cautela. Porém, nos autos não há qualquer registro desse procedimento feito ao acusado em relação aos objetos apreendidos, concluindo que o réu HAIRTON BORGES JÚNIOR se apropriou dos bens, em virtude de seu cargo ou função, sem ter autorização para o ato.

Desse modo, vê-se que a autoria e a materialidade do crime em questão se encontram confirmadas nos autos, restando demonstrado que a tese apresentada pelo réu extrajudicialmente foi apenas uma tentativa de se eximir do crime de peculato por ele cometido, estando essa versão totalmente dissociada do conjunto probatório dos autos, merecendo, assim, a condenação. 

Nesse sentido, também é o entendimento jurisprudencial:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. PECULATO (ART. 312, §1º, DO CÓDIGO PENAL). INEXISTÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. 1 A materialidade e a autoria do delito tipificado no art. 312 do Código Penal ficaram plenamente caracterizadas, bem como os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal. 2. As provas documentais e testemunhais obtidas regularmente em processo administrativo e inquérito policial, corroboradas por elementos de convicção colhidos no curso da instrução criminal, reforçam as conclusões que se extraem do conjunto probatório alcançado sob a égide do contraditório e da ampla defesa. 3. Apresenta-se como juridicamente possível a condenação, em processo penal, com base em prova indiciária. Os indícios que autorizam uma condenação dessa natureza são aqueles que, formando uma unidade com outros elementos probatórios, geram na mente do julgador um juízo de certeza sobre a autoria e a materialidade do delito, como é o caso dos autos. 4. Apelação provida. (TRF-1 - APR: 00027538720054014300 0002753-87.2005.4.01.4300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES, Data de Julgamento: 22/09/2015, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 27/10/2015).

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – CONDENAÇÃO PELO DELITO DE PECULATO– IRRESIGNAÇÃO – PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA – IMPROCEDÊNCIA – EXISTÊNCIA DE PROVAS INCONTESTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS – ELEMENTOS DE CONVICÇÃO INDICAM A CIÊNCIA DO RECORRENTE QUANTO À ILICITUDE DE SUAS CONDUTAS – ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO DEMONSTRADO – MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO – APELO DESPROVIDO. 1. Demonstrada, a todas as luzes, a materialidade e a autoria delitivas, bem como o elemento subjetivo do tipo, pelas provas jungidas aos autos, faz-se mister a manutenção da condenação do recorrente pela prática do crime insculpido no art. 312 do Código Penal. (Ap 4181/2015, DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 17/06/2015, Publicado no DJE 24/06/2015).

Para a caracterização do crime de peculato, faz-se necessária a comprovação de que o agente agiu com o dolo, elemento subjetivo integrado pela livre vontade e consciência voltadas para a prática do ilícito. Se as provas deixam clara a vontade do agente em apropriar-se do bem com animus domini a fim de obter proveito, para si ou para outrem, imperativa é a condenação. 

Sobre o assunto, colaciono a seguinte jurisprudência:

“EMENTA: APELAÇÃO CRIME. CRIME DE PECULATO (ART. 312, DO CP). ARGUMENTO DE FORMA DE INÉPCIA DA DENÚNCIA, POR NÃO DESCREVER A CONDUTA ISOLADA DE CADA ACUSADO. INOCORRÊNCIA. INICIAL ACUSATÓRIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA POR NÃO ENFRENTAR TODAS AS TESES DA DEFESA. DESCABIMENTO. FUNDAMENTOS E MOTIVAÇÃO DA DECISÃO BEM DEMONSTRADOS. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE DE PECULATO CULPOSO. ROGATIVA DE UM DOS RÉUS PELA DESCLASSIFICAÇÃO PARA ESTELIONATO QUALIFICADO COM FRAUDE NO PAGAMENTO. INACOLHIMENTO. EVIDENCIADO O DOLO DE DESVIAR OS VALORES EM BENEFÍCIO PRÓPRIO OU DE OUTREM. CONFIGURAÇÃO DA MODALIDADE DOLOSA DE PECULATO, POIS OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS LOTADOS NO GRUPO FINANCEIRO SETORIAL (GFS) RECEBIAM OS VALORES DAS BOLSAS DO PROGRAMA "UNIVERSIDADE SEM FRONTEIRAS" DA SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR (SETI).PEDIDO DE APLICAÇÃO DE CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE.DEVOLUÇÃO DE PARTE DOS VALORES. PARA CARACTERIZAÇÃO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR, HÁ DE SE REALIZAR A REPARAÇÃO INTEGRAL DA QUANTIA DESVIADA.PRECEDENTES DO C. STJ. RECURSOS DESPROVIDOS. 1. Não há que se falar em inépcia da inicial quando a denúncia está em perfeita consonância com os requisitos insertos no art. 41 do CPP, pois descreve os fatos e suas circunstâncias, com clareza e individualiza a conduta dos réus. 2. Se os fundamentos utilizados pelo julgador estão bem delimitados e demonstrada a motivação da decisão, não há que se falar em nulidade por ausência de apreciação de todas as teses suscitadas pelas partes (Nesse sentido é a Jurisprudência do C.STJ: "(...) 3. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que não há nulidade no decisum que não analisa especificamente todas as teses aduzidas pelas partes, no caso de os fundamentos utilizados se revelarem suficientes para o deslinde da controvérsia.". (HC 182.572/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014). 3. Evidenciado o dolo de desviar os valores para si ou para outrem, em razão do cargo de funcionário público, impossível a desclassificação para a modalidade culposa de peculato, ou para estelionato mediante fraude no pagamento. 4. Somente se aplica a causa de diminuição da pena inserta no art. 16 do CP nas hipóteses de reparação integral do dano, que, no caso, seria a devolução integral dos valores desviados. I. (TJPR - 2ª C. Criminal - AC - 1234022-6 - Curitiba - Rel.: José Mauricio Pinto de Almeida - Unânime - - J. 26.02.2015). (TJ-PR - APL: 12340226 PR 1234022-6 (Acórdão), Relator: José Mauricio Pinto de Almeida, Data de Julgamento: 26/02/2015, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1526 16/03/2015).

PENAL. PROCESSUAL PENAL. PECULATO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO COMPROVADO. DOSIMETRIA 1. Materialidade e autoria demonstradas pelos depoimentos do réu e das testemunhas. 2. Devidamente comprovado o dolo do réu eis que o mesmo se apropriou de valores pertencentes à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em virtude do cargo público que ocupava. 3. O MM Juiz a quo valorou corretamente as circunstâncias dos arts. 59 e 68 do Código Penal, nada havendo a modificar na dosimetria. Impossibilidade de aplicação da atenuante da confissão espontânea em razão de a pena-base ter sido fixada no mínimo legal (Súmula 231, do STJ). 4. Apelações não providas. (TRF-1 - ACR: 25668 MG 2008.38.00.025668-8, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 21/01/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1289 de 08/02/2013)

No caso dos autos, é evidente que o denunciado HAIRTON BORGES JUNIOR, investigador de polícia, tinha a intenção de se apropriar, em proveito próprio, dos objetivos apreendidos em sua residência, quais sejam: 01 HT, 01 carregador de HT e um Cilibim (vide termo de exibição e apreensão fls. 31/32), pertencentes ao Estado, não os devolvendo, propositalmente, ao órgão pelo qual era vinculado, haja vista que pretendia apossar-se dos mesmos de forma definitiva. 

Noutro giro, sabe-se neste tipo de delito, mesmo que o valor/bem desviado do Estado não se trata de quantia exorbitante, leva-se em consideração o prejuízo moral da Administração Pública, posto que nos crimes dessa espécie, não se aplica o princípio da Bagatela ou da Insignificância. 

Esse também é o entendimento da jurisprudência:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE PECULATO. EMPREGADO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. 1. O Superior Tribunal Justiça considera impossível a aplicação do princípio da insignificância nas hipóteses de delitos cometidos contra a Administração Pública, nos quais se enquadra o peculato (art. 312 do CP), considerando que nesses casos a norma objetiva de resguardar, além da dimensão material, a moral administrativa. (Precedentes do STJ). (...).(TRF-1 - RSE: 336047620134013800, Relator: JUIZ FEDERAL RENATO MARTINS PRATES (CONV.), Data de Julgamento: 15/07/2014, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 25/07/2014).

Nessa linha de ideias, ensina Fernando Henrique Mendes de Almeida: “Não se deve levar em conta unicamente o que possa ser estimado pecuniariamente. Antes, cumpre ter em atenção, também, o interesse moral. Se, por exemplo, um empregado de uma ferrovia estatizada vende a um passageiro um bilhete de viagem já utilizado, está claro que o bilhete já não tem valor. No entanto, houve peculato precisamente porque, não tendo valor o bilhete, o funcionário, ciente disto, ousou vendê-lo a particular, considerando que tal passagem tem o mecanismo do título ao portador. Pouco importa que a ferrovia, provado o delito, não reembolse o passageiro, no exemplo aqui dado. Há o crime, apesar de o objeto não ter valor e a Administração Pública não reparar o dano econômico. Há o crime porque foi violada a confiança da Administração Pública ”.

Portanto, em face do conjunto probatório vertido para os autos, em especial pelos documentos constantes no inquérito policial e pelo teor dos depoimentos prestados em juízo, sob o crivo do contraditório, tenho que o acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR praticou o delito descrito no art. 312, caput, do CP.

Consigno que deixo de aplicar a atenuante da confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, do CP, por entender que o acusado não afirmou que se apoderou dos objetos com o animus de permanecer com os mesmos, em proveito próprio, mas sim que iria consertá-los para utilizá-los em seu trabalho. 

Por fim, registro que o denunciado praticou o crime de peculato por 02 (duas) vezes, tendo em vista que se apropriou de dois objetos públicos distintos (01 HT com o seu carregador e 01 Cilibrim), inexistindo nos autos elementos suficientes para afirmar que cometeu os ilícitos nas mesmas circunstâncias de tempo, local e maneira de execução. 

Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público, e ABSOLVO o acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA, qualificado nos autos, da imputação do crime previsto no artigo 312, caput, do Código Penal, o fazendo com fulcro no artigo 386, inciso VII, do CPP. Em face do acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR, qualificado nos autos, CONDENO-O como incurso nas sanções do artigo 312, caput, do CP, por duas vezes, na forma do artigo 69, do CP. 

Não vislumbro nos autos quaisquer excludentes de ilicitude que poderiam justificar o comportamento do acusado. 

Não encontro presentes as dirimentes penais, que pudessem socorrer o denunciado, pelo que tenho que deve ser apenado.

Passo a dosar-lhe a pena, portanto:

Impõe-se a análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP: O réu agiu com dolo direto. Seu comportamento foi extremamente reprovável por conta da condição de servidor público, policial civil, cuja função deve ser a de apurar delitos e não de praticá-los, utilizando-se do seu cargo para facilitar a prática do crime. Possui antecedentes criminais. Conduta social dentro dos padrões de normalidade, segundo declarações das testemunhas. A personalidade do réu não pode ser avaliada pela ausência de elementos indicadores nos autos, eis que afeta à índole, senso moral e emocional de cada indivíduo. Os motivos para o cometimento do crime foram os inerentes ao tipo penal. As consequências do crime são graves, desmoralizando a polícia civil, assim como fazendo a sociedade se sentir aviltada e desamparada.

Em face disto, verificando a preponderância de circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena-base, para cada um dos crimes por ele cometido, em 02 (dois) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, fixando cada dia multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato. 

Assim, resultam as penas impostas em 4 (quatro) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa. Torno-a, assim, definitiva, à falta de outras modificadoras.

Conforme disposto no artigo 33 parágrafo 2º, letra ‘c’ do CPB, fixo-lhe inicialmente o regime aberto para cumprimento das penas. Em razão disto, verificando que está em liberdade e que não é o caso de decretação de prisão preventiva, concedo-lhe o direito de apelar em liberdade. 

Considerando o disposto no artigo 44 do CP (alterado pela Lei 9.174/98), em face de entender que a substituição será suficiente, substituo as penas privativas de liberdade ora impostas por 02 (duas) penas restritivas de direito (§ 2o., última parte), da seguinte forma:

I - O réu prestará serviços à comunidade, efetuando serviços gerais em entidade a ser indicada pelo juízo das execuções, desde que nesta Comarca, gratuitamente, conforme suas aptidões, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, durante sete horas por semana, de modo a não prejudicar a sua jornada normal de trabalho (art. 46, §§ 2o. e 3o.).

II - O réu será submetido à limitação de fim de semana, consistente em permanecer, aos sábados e domingos das 23:00 horas às 06:00 horas em sua residência, durante todo o período da pena. Assinalo que assim o determino, considerando que a Casa do Albergado existente nesta Comarca hoje é utilizada para abrigar presos do regime semiaberto, não sendo plausível condená-lo a recolhimento em local onde também estarão indivíduos de maior periculosidade. 

Deixo de decretar a perda do cargo público, nos termos do artigo 92, inciso I, do Código Penal, conforme requerido pelo Ministério Público na peça acusatória, tendo em vista que o acusado HAIRTON BORGES JÚNIOR não mais faz parte do quadro de funcionalismo público deste Estado, visto que foi demitido em 06/10/2014, conforme consta às fls. 246 e 248. 

Fica, desde já, autorizada a detração quanto ao período que esteve custodiado, em obediência ao expressamente disposto no artigo 42 do CP.

A multa, já fixada, será recolhida na forma do que dispõem os artigos 49 e seguintes do CP.

Transitada em julgado a sentença, lance-lhe o nome no rol dos culpados, (art. 5º, LIV da CF, c/c art. 393, II do CPP), e expeça-se guia de execução e remeta-se ao Juízo competente para cumprimento da pena.

Custas pelo Estado, considerando que o réu é beneficiário da Justiça Gratuita. 

Publique-se. Lançada a sentença no Sistema Apolo, estará registrada. Intimem-se. Cumpra-se.

Tendo em vista a absolvição do acusado IDALMIR BEZERRA FERREIRA, observe a Secretaria, o que determina a CNGC, capítulo 07, seção 07, item 09: "Na hipótese de sentenças extintivas de punibilidade e absolutórias é desnecessária a intimação do acusado, bastando a intimação do seu defensor. Para tal finalidade, inclusive, pode ser nomeado defensor dativo, tão-somente para esse ato".

Cumpra-se.

 

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