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Cuiabá, 13 de Maio de 2024
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24 de Abril de 2012, 08h:14 - A | A

OPINIÃO / CHRISTIANE BATISTA NUNES

Seria cômico, se não fosse trágico

CHRISTIANE BATISTA NUNES



A movimentação judicial fomentada por humoristas independentes e programas humorísticos da televisão brasileira nos tribunais atualmente não tem precedentes. O riso está se transformando em prejuízo, a cada dia com mais recorrência.

Este mês o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal colocou  seu departamento jurídico à disposição de jornalistas interessados em processar os humoristas da Band pela onda de reclamações que chegou ao sindicato no mais recente episódio, a visita da secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton à capital federal. O CQC Maurício Meirelles saiu do seu quadrado e interferiu em toda a transmissão ao vivo do evento.

Já a TV Globo foi condenada a pagar danos a um técnico que apareceu na Pegadinha do Consumidor, principalmente porque o programa não utilizou os recursos para distorcer a voz ou ocultar a sua imagem. O técnico foi identificado e desmoralizado pela situação a que foi submetido.

O grupo de comédia Os Melhores Do Mundo já teve suas contas congeladas pela justiça por conta de piadas disparadas contra instituição de ensino local, num show em Aracaju.

A cantora Wanessa Camargo, em processo de danos contra Rafinha Bastos, teve seu pedido julgado procedente. Em episódio de notoriedade ímpar, o então futuro réu disse ao vivo e em rede nacional, na bancada do CQC, que ‘comeria’ a mãe e o bebê, em referência às imagens de Wanessa Camargo grávida. E este mesmo ‘humorista’ é autor da assertiva torpe que ‘estuprador de mulher feia merece um abraço ao invés de ir preso’, entre outras pérolas.

E para você que ainda não conhece, existe o ‘Proibidão’, um show de humor no qual assina-se um termo declaratório anterior à entrada para evitar processos por causa das piadas.

Ocorrências existem às golfadas, país afora. Resta agora delimitar se vale tudo, se vale qualquer coisa, do ofensivo ao escatológico, para tentar fazer rir. A busca pela gargalhada então é a luta pelo domínio de uma vertente de humor sobre outra e pela atenção do público, deliberadamente “Custe o Que Custar”, o limite é só ser engraçado. Ou pensar que está sendo.

No global Zorra Total afirma-se que ‘a mulher feia não pode reclamar quando é assediada no trem’. Aqui, a piada é ofuscada por outros sentimentos, como repugnância ou asco.

Os mais agressivos da atualidade gostam de colocar como censura o adequado limite desejável, antes que se atinja o humor abjeto ou o também sagrado trabalho de outros profissionais. Mesmo entre os que não querem limites, o próprio remédio é amargo.

Recentemente, em gravação amadora vazada do “Agora é Tarde”, Marcelo Mansfield reage mal diante da ‘piada’ sobre sua barriga, disparada pelo colega Léo Lins, gritando, xingando e deixando o estúdio. Como ficou feia a dissensão interna, diligenciou-se transfigurar para a pegadinha, sem sucesso. Lembro ainda a recente entrevista à jornalista Marília Gabriela, onde o abraçador de estupradores Rafinha Bastos chora ao falar do próprio pai. Vamos então, usando sua filosofia CQC, conceber aqui uma piada vil usando defeitos físicos ou problemas pessoais que este senhor possa ter para ver seu filho rir? Não, eu passo. Está claro nos dois casos que os brutos também amam.

A expressão do humor representa sua época. A Antiga Comédia, séculos antes de Cristo, era repleta de críticas mordazes à política e à sociedade. O humor, afinal de contas, é uma forma de arte extremamente consciente. Fazer pensar é o objetivo da comicidade. O bobo da corte, aquele ‘funcionário’ da monarquia encarregado de entreter o rei e rainha e fazê-los rirem, muitas vezes era a única pessoa que podia criticar o rei sem correr riscos. Estou certa de que até o bobo sabia muito bem fazer isso, por amor ao próprio pescoço.

Fazer rir é mais difícil que fazer chorar. Fazer rir é fazer pensar e talvez por essa dificuldade é que ultimamente haja tanta apelação. Para fazer pensar é preciso pensar antes - e pensar bem. E para rir de uma piada é preciso entendê-la e para entendê-la, é preciso pensar. Este loop exige cultura, intelecto, saber, opinião. Provavelmente, na atual pandemia de auto-designados humoristas estas virtudes estejam minguadas. Bem como no público que aceita o que vem deles.

Fazer rir por rir, sem pensar, pode até acontecer, mas é dote natural em poucos. Dercy Gonçalves, José de Vasconcelos e Costinha, caricatos de per si, emblemáticos em sua época foram assim. Muitos deles, hoje, já provaram que são capazes de alcançar o sucesso sem aderir a essa forma de fazer humor a qualquer preço. Humor preconceituoso, oportunista, que se vale dos estereótipos pra fazer graça ou impede o trabalho de outros profissionais está por fora. Bom é a gente rir muito, respeitando o quadrado do outro e no final do riso sobrar algo na cachola, herdar uma reflexão. Lendo Millôr, este milagre acontece: 

“Viver é desenhar sem borracha”. “Não devemos resistir às tentações: elas podem não voltar”. “Viva o Brasil, onde o ano inteiro, é primeiro de abril”.

Christiane Batista Nunes é bacharel em Direito e acadêmica de Letras na UFMT.

A redação do RepórterMT não se responsabiliza pelos artigos e conceitos assinados, aos quais representam a opinião pessoal do autor.

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