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Cuiabá, 26 de Abril de 2024
26 de Abril de 2024

20 de Abril de 2012, 09h:59 - A | A

OPINIÃO / GABRIEL NOVIS NEVES

Saúde irritante

GABRIEL NOVIS NEVES



Peguei no laboratório de bioquímica, do hospital onde eu e o meu filho trabalhamos, os meus exames de rotina. Eu atendo no consultório e ele no ultrassom.

A recepcionista me entregou um grosso envelope. Levei o envelope, ainda fechado, até ao meu filho e pedi que ele abrisse e desse uma olhadinha.

Na minha idade esses exames são abundantes. É necessário verificar o estado de conservação de todo meu maquinário - que é todo original.

Se eu fosse um automóvel, estaria em algum museu do mundo sendo tratado como relíquia.

O meu guri verificou o envelope selado e perguntou-me se já tinha visto o exame e se estava a fim de fazer mais uma das minhas gracinhas. Ele sabe que eu sou curioso.

Disse-lhe que não. Que não tinha ainda visto os resultados e, que devido à idade avançada, temia alguma surpresa desagradável. Por isso queria que ele analisasse os exames. Caso ela fosse confirmada, que ele tomasse as providências necessárias.  

Ele então retirou lentamente o selo que lacrava o envelope e começou a manusear as folhas com os resultados.

Eu, em silêncio, observava a sua fisionomia. Ele leu todos os papéis com o semblante inalterado. Depois fechou o pacote de exames, selou-o e me devolveu.

Olhei para ele em busca de uma resposta. Ele me deu:

      - Pai, o senhor tem uma saúde irritante! Terrivelmente irritante de boa.

Fiquei agradavelmente surpreso diante dessa declaração inusitada. E ele prosseguiu:

      - Pai, você não vai morrer tão cedo e me obrigará a trabalhar a vida toda. Você está com algumas taxas, como colesterol, inferiores às do seu neto Gabrielzinho, de 11anos.

      - Filho – respondi – eu nunca frequentei McDonald, Bobs, carrocinhas de cachorro quente e nem fico o dia todo com bala na boca. Também não sou usuário das iguarias dos shoppings e merendas compradas na escola.

E esclareci a ele que, até deixar Cuiabá para estudar medicina no Rio, não andava com dinheiro no bolso e tudo que eu comia era feito pela minha mãe. Não desenvolvi o hábito de comer fora de casa. Bom para a saúde e para o bolso – assim minha mãe economizava para uma necessidade mais premente.

Com os exames na mão, e os resultados tranquilizadores, o meu ego inflou e comecei a pensar nas festas do meu centenário.

Avisei também aos meus filhos, netos, irmãos, parentes e amigos que, em caso de uma fatalidade comigo, procurassem a polícia técnica e trabalhassem com a hipótese de um crime.

Brincadeiras à parte, nunca alguém me disse que tinha uma saúde extremamente irritante.

Sei que é uma brincadeira, mas no fundo esse resultado traduz muitos anos de vida para mim - e trabalho dobrado para o meu filho.

Estou errado?

Com o humor existente entre pai e filho, tudo indica que a caminhada será irritantemente longa, para a felicidade de todos nós.

*Gabriel Novis Neves é médico em Cuiabá.

A redação do RepórterMT não se responsabiliza pelos artigos e conceitos assinados, aos quais representam a opinião pessoal do autor.

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