Doutor é um título acadêmico outorgado para quem fez, além de uma faculdade regular, um curso de doutorado. Virou, entretanto, no Brasil, um curioso habito atribuir a qualquer bacharel o título de doutor. Até alguns dicionários aceitam esta versão. E nesse diapasão todo mundo vira doutor. Dr. Advogado, Dr. Médico, Dr. Dentista, Dr. Psicólogo, Dr. Fisioterapeuta e Dr. Contador.
Cartões de visitas, receitas, petições e pareceres ostentam a pomposa denominação de Doutor. Placas de escritório não fazem por menos e usam indistintamente o indevido título. Telefones são atendidos, com...”aqui fala o Doutor fulano de tal....” Até o guarda de trânsito sofre a intransigência do Doutor, quando “leva uma pomposa carteirada”. Lembra-se das carteiras profissionais lindas que ostentam até brasão! E o anel do Doutor, feito sob medida, para que se tenha mais destaque e fique mais elegante! Afinal, ser doutor é chique com pose e pompa!
O doutor pertence a uma casta como se o Brasil fosse a Índia. A casta dos doutores! O doutor tem até o privilégio de prisão especial. Não é para menos, a um País que não livrou inteiramente da escravidão, pois não resgatou ainda do limbo milhões e milhões de brasileiros que chafurdam na lama da pobreza e da indigência. O Senhor, o Senhozinho, o amo persistem em sobreviver no Doutor que continua a existir e exigir respeito e reverência. Este é o Brasil brasileiro! Sem igual!
Situações, como a aqui relatada, somente florescem por que as diferenças de classes sociais no Brasil são abissais. A par da soberba daqueles que aceitam, cultivam a condição de doutor quando não são, serve para demonstrar que eles são superiores a todos os outros mortais. Na área jurídica o pomposo terno e gravata é suficiente para transformar um estudante medíocre em “doutor” com todas as pompas e circunstâncias. E tal patronímico, nesta área, se espalha por juízes, promotores, procuradores, assessores e quantos mais ostentem o título de bacharel em direito.
A psicanálise tem uma explicação para o aqui relatado. Trata-se do “complexo de superioridade que se refere a um mecanismo subconsciente de compensação neurótica desenvolvido por um indivíduo como resultado de sentimentos de inferioridade”. Enfim, uma impostura! Quer-se ser o que não é! O Livro Sagrado tem outra explicação: “Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade” (Eclesiastes).
RENATO GOMES NERY é advogado em Cuiabá.