Penso que durante março, o mês no qual se insere o Dia Internacional da Mulher, temos a obrigação de manter vivo o debate sobre a condição feminina em nosso país; e tudo deve ser abordado sem tabus, o que não é fácil. Caso contrário, os resultados necessários podem demorar muito a chegar, ou nem mesmo vir.
De minha parte, não repetirei os intoleráveis números da violência. Continuarei as considerações iniciadas no artigo “A mulher e a Bíblia” (Diário de Cuiabá: 08/03). Nele, convoquei à reflexão sobre as origens de tanta violência contra a mulher.
De início, avisei que minhas ponderações não eram confortáveis, pois eram de ordem cultural; logo, de perceber seu viés judaico-cristão, consolidado pela Bíblia Sagrada, o livro mais lido no Brasil de hoje.
Daí em diante, pontuei capítulos e versículos bíblicos, nos quais poderiam estar a base de tanta violência – física e simbólica – contra a mulher. O machismo está tão arraigado quanto naturalizado em muitas passagens da Bíblia.
Na verdade, esse tipo de violência parece ser recorrente alhures e desde sempre. Raras são as sociedades em que as mulheres já viveram e/ou vivem em igualdade de gênero. Os livros sagrados parecem não ajudar muito.
Para iniciar minhas reflexões, pensando em sociedades cristãs, como a nossa, citei o surrealismo do fragmento bíblico do surgimento da mulher (da costela de um homem), como possível elemento de pavimentação de patriarcados, machismos e violências.
Nessa linha, apontei passagens bíblicas sobre o papel da mulher: Tito, 2;3-5; Pedro, 3:1; Provérbios, 31;10 e 12;4; Timóteo, 2;9. Em todas, a ordem é a submissão da mulher ao pai, irmão, esposo e Deus. Quem duvidar, vá à fonte. Ninguém precisa ser exegeta profissional para entender aqueles discursos. Qualquer leitura despida de preconceitos é o bastante.
Como cada passagem é explicitamente forte contra os direitos sociais das mulheres, logo, entrando em choque com as lutas modernas/contemporâneas por igualdade de gênero, eu supunha que “pedradas” viessem contra meu artigo, mas que não fossem atiradas por nenhuma mulher; pois foram. Uma colega de profissão ofendeu-se com meus apontamentos. Com isso, compreendi que mexer com dogmas é indagar ensinamentos de berço, dos quais poucos se livram.
Na opinião da leitora, eu não poderia apontar a Bíblia como sugestão de machismo e violências advindas desse comportamento. Eu deveria saber que o problema é mais recente; que ele pode estar relacionado ao “...apelo sexual presente em nossa cultura há décadas...”. Cultura que faz “...apologia constante à diversão encrustada no futebol, cerveja e mulher...”, quando vista no sentido apelativo da sexualidade, tão explorada pela publicidade.
Querendo isentar o discurso bíblico de quaisquer responsabilidades, a leitora ainda pontua as atitudes irresponsáveis de homens fanfarrões que abandonam suas companheiras, muitas vezes já com prole.
Por fim, a leitora ainda pondera que as mulheres podem estar sendo agredidas por conta da relação masculina com o alcoolismo e outras drogas ilícitas.
Nada disso está errado. A questão é que tudo isso, bem como outros tópicos não pontuados pela leitora, não é origem de nada. Tudo já é consequência. Já é acumulo de alguma pavimentação anterior, que, reafirmo, pode estar em diversos discursos bíblicos.
Portanto, enquanto não vencermos heranças culturais adversas à igualdade de gênero, continuaremos a reproduzir seres que se pensam e se enxergam como superiores a outros, ou melhor, a outras, principalmente.
ROBERTO BOAVENTURA DE SÁ é professor universitário