Não escolhi nascer, e, se pudesse, não escolheria morrer. Mas, como tudo que é vivo, morrerei. A morte faz parte da vida e não deixa de ser um assunto muito vivo no convívio das pessoas. São as baixas que vamos sofrendo no decorrer na vida, próximos ou distantes sucumbindo à doença ou ao acidente, que nos fazem pensar na morte.
Me resigno com a inevitabilidade e com a efetividade da realidade mortal da vida; onde não há escolhas não há o que enaltecer ou reclamar. Pode-se escolher como morrer, pois, que temos a liberdade de escolher abreviar nossa vida, antecipando a morte. O suicídio, a eutanásia para amenizar os males de doenças degenerativas ou terminais, ou mesmo uma infelicidade profunda, são escolhas possíveis.
Mas, no entanto, entre o nascer e o morrer, tudo são escolhas nossas, e somos prisioneiros dessas escolhas, nem sempre certas, nem sempre escolhas boas, nem sempre escolhas felizes, mas sempre escolhas nossas. E ainda que se possa justificar as ações próprias em decorrências das ações alheias, sempre são produtos de nossas reações. Viver é escolher e a morte é o fim das escolhas próprias.
Há aqueles que temem a morte como se pudesse ser o que há de pior, ou a passagem do ruim para algo ainda pior. Cheio de ardor e queimação todos temem o julgamento divino em nome de práticas pecaminosas que todos praticam no cotidiano, seja mentindo, seja enganando, seja roubando, ou pior ainda, matando.
Ora, viver é devorar e morrer é ser devorado. Todo comedor sempre acaba comido. Nada resiste ao tempo e a oxidação que tudo sofre, sugada pelos ares corrosivos que tudo dissolve, até mesmo pedras e rochas. Entretanto, enquanto não chega o inevitável fim, pode-se armazenar prazer, alegria, riquezas, satisfação, amizades, amores e inúmeros caminhos para caminhar.
Da morte pouco espero, mas espero muito da vida. Verdade que pela idade, estou mais próximo da morte do que da vida, e que, portanto, não se deve desejar algo alongado pela existência. Além disso, estamos sempre, em qualquer idade ou situação próximos da morte, pois para morrer, como dizem, basta estar vivo. E se a morte me pegar amanhã, terei feito tudo que poderia ter feito, nada deixando de ser feito ou por fazer, pois que a cada dia vivo como se fosse o último.
Quando acordo no dia seguinte, me admiro: ainda estou vivo! Mas sei que cada dia a mais é um dia a menos. Felizes os simples que aguardam algo melhor depois de morto. Eu carrego a angústia de ter que fazer tudo em vida ou morrer tentando; pois a morte é tão somente o fim de nossas tentativas.
Por fim, se nada de útil ou bom realizei em vida, pelo menos morto farei algum bem, afinal, estou doando meu corpo para a escola de medicina formar médicos: que aprendam em mim a conhecer o corpo humano que terão de salvar, ou tentar.
ROBERTO DE BARROS FREIRE é professor do Departamento de Filosofia da UFMT.