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Cuiabá, 13 de Maio de 2024
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21 de Outubro de 2019, 17h:19 - A | A

NACIONAL / BEBÊ ESQUECIDO NO CORREDOR

Mãe que perdeu recém-nascida acusa hospital de negligência

Além de sofrer violência obstétrica, Renata Santana, teve de lidar com a dor de enterrar a filha, que sofreu problemas respiratórios. Em depoimento emocionado, dado com exclusividade a CRESCER, ela afirma que colocaram outro bebê no berço ao lado de seu

CRESCER



Hoje consigo falar sobre isso sem chorar, sem doer. Sou casada há doze anos e tenho quatro filhos vivos, nascidos, perfeitinhos. A Mimi, minha Miriã, era a sexta gravidez, porque já sofri um aborto espontâneo há anos. Durante o pré-natal, já me encaminharam para o alto risco pelo fato de meus meninos terem todos chegado antes de eu completar 38 semanas. Foi uma gravidez muito bem cuidada. Eu nunca tinha chegado a 40 semanas e cheguei a 41 semanas e 4 dias. No entanto, desde as 38, já comecei a ter dilatação e ia para o hospital. Fui e voltei umas oito vezes. Mesmo eu estando com dor e com dois centímetros de dilatação, eles diziam que não estava na hora. Me davam analgésicos e me mandavam voltar para casa.

Até então, estava tudo certo. A bebê era ativa, mexia, brincava demais. Pela primeira vez, nós tivemos condições de fazer o enxoval, comprar roupinhas. Somos simples, mas pudemos comprar o bercinho que a gente queria. Eu brinco com ele que até o shampoo, o cheirinho que eu queria para o cabelo dela, dessa vez, eu pude comprar. Estávamos vivendo um sonho de verdade. Só de o pai dela falar perto de mim, ela já respondia à voz dele, se mexendo. Ele era apaixonado por essa menina. Me ligava umas dez vezes por dia para saber se estava tudo bem com ela

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Eu sentia um frio na barriga. Me colocaram em um dos últimos leitos de pré-parto. Fiquei preocupada, pensando que as médicas não me dariam atenção porque eu estava longe. Mas fiquei quietinha, nada de dor. Só às 18h, comecei a ter um pouco mais de contração.
Eu tocava a campainha para chamar a enfermeira e ela vinha brava. Por que eu estava incomodando? Eu tinha que calar a boca porque não era minha primeira gravidez. Eu tinha que ficar quieta. Eu tinha que aguentar. E eu fiquei. Não dei um grito. Só não aguentei no momento do expulsivo, quando minha filha realmente estava coroando. Eu falei: ‘Tá nascendo’.

Toquei a campainha. A enfermeira veio brava e voltou. Depois, eu gritei: ‘Tá nascendo, por favor. Tá saindo’. Aí, vieram duas médicas, mas, quando chegaram, já tinha saído a cabeça da minha filha. Fiz mais uma força - lembro que dei um leve grito - e ela saiu e veio para os meus braços. Minha filha nasceu às 21h47. Sinto o cheirinho de vérnix que cobria a pele dela, branquinho. Eu a cheirei, ela chorou. Lembro que a apertei contra os meus braços e falei ‘Obrigada Deus, obrigada’. Ela chorou. Ela estava se mexendo. Desci a mão assim para ver se era uma menina. Era uma menina! Meu sonho tinha nascido! Tinha se realizado.

Nesse momento, eles me disseram que ela estava com um leve desconforto respiratório e precisaria ser levada para o berçário. Enquanto isso, fizeram os procedimentos necessários comigo. Me costuraram ali mesmo, naquela cama, deram uma injeção na minha perna, para evitar hemorragia. Fui costurada e me levaram para uma sala, onde fiquei por cerca de 40 minutos, esperando vaga para a maternidade. O tempo todo, desde que entrei nessa sala, reparei que tinha um bercinho, parecido com aqueles de UTI, do lado de fora, no corredor. Quando me colocaram ali, lembro de ter perguntado: ‘Cadê meu bebê?’. Me disseram: ‘É esse aí que está no berço aquecido do seu lado’. Eu vi o rosto da minha filha quando ela nasceu. Então, olhei para o bebê e falei: ‘Não, esse bebê não é o meu’. Tive que ouvir: ‘Mãezinha, a gente confere as pulseiras. Essa é a sua’. Eu levantei, segurei minha barriga, inclinei a cabeça e falei: ‘A minha é aquela que está no corredor’. Eu não sei por que, eu não sei como, ela estava longe de mim, mas eu a via. Eu sabia que aquela era a minha. Eu sabia. Meu coração dizia. Aquela que ficou ali esquecida ali, naquele bercinho, roxinha. Aí, quando conferiram, viram que a que estava do meu lado não era minha. O enfermeiro, então, foi até o berço do corredor e levantou o lençol para olhar para ela. Nunca vou me esquecer. Não sei como ela estava, mas ele falou, na hora: ‘Preciso subir com esse bebê imediatamente para a UTI’. E subiu.

Eu cheguei no quarto, mal tomei um banho, mas precisava ver minha filha. Fui até a UTI, mas as enfermeiras não queriam me deixar entrar. Disseram que eu tinha acabado de ter bebê, que eu ia passar mal. E eu falei que não ia dormir enquanto não visse minha filha. Quando consegui vê-la, Miriã já estava entubada, com oxigênio no nariz e uma sonda. Leve desconforto? Isso estava muito sério para ser só um leve desconforto, né?

Então, me explicaram que ela teve uma parada respiratória, mas que estava no oxigênio e que seria medicada. Disseram que estava tudo bem. Então, fui para o quarto. No dia seguinte, ficamos esperando o médico passar às 10h, para falar com a gente. Eles não diziam nada, não nos davam informações. Quando cheguei na UTI para vê-la, ela estava pior ainda. Aí a médica falou que ela estava sendo cuidada e que eles já estavam fazendo tudo o que poderia ser feito. Foi o momento em que eu a toquei ainda com vida e falei: ‘Eu estou com você. Eu não vou sair. Seja forte, que eu estou aqui do seu lado’. Depois, fecharam a UTI e a gente não podia entrar. Depois, mais uma vez, chamei a enfermeira e implorei para entrar. Quando olhei, ela já estava com um catéter no umbigo e já estava virando o olhinho. Parecia que estava dizendo: ‘Eu não aguento’. Ela estava lutando de uma forma desesperada. Me mandaram sair de lá e eu voltei para o quarto.

Isso aconteceu no sábado (21) e eu tive alta só no domingo. Tudo o que eu queria era ir embora daquele lugar. No entanto, cheguei em casa e não conseguia entrar no meu quarto cor de rosa, cheirando a colônia de bebê, cheio de bailarinas, com um berço lindo esperando por ela. Tinha um papel de parede de nuvens, onde estava escrito ‘Mimi’. Ai, Deus. Eu dormi na sala.

Na segunda-feira, acordei cedo e voltei lá no hospital porque tivemos que ir ao cartório fazer a certidão de nascimento. Eles disseram que não poderíamos fazer velório porque já tinha se passado muito tempo. Por ser um bebê, ela estaria se decompondo. Fui fazer o reconhecimento do corpo, eu mesma. Eu só falava ‘Deus, nao me deixe vê-la se decompondo. Você me deu ela perfeita, eu quero vê-la perfeita’. Quando abriram o saco, ela estava perfeita, do jeito que nasceu. O rapaz da funerária ficou com muita dó de mim.

Entreguei para o rapaz um conjunto de lã, branco e amarelo, uma roupinha que assim que eu ganhei eu falei ‘Que coisa linda, ela vai sair da maternidade com essa roupinha’. E ficamos lá, oramos, sentimos. Foi difícil, viu? Porque a gente não entende. Por que? Como brincam com a vida das pessoas? Como podem esquecer um bebê no corredor? Serem tão negligentes? Tratar mal as pessoas dessa forma? São vidas, são sonhos.

Sei que um filho não substitui o outro. Meus outros filhos são grandes. Eles têm entre 15 e 8 anos. Nada vai trazê-la de volta. Sei disso. Tenho plena consciência. Mas era meu sonho ter essa caçulinha e eu quero viver isso. A gente vai tentar, futuramente. Tenho muita esperança de que teremos nosso arco-íris. Aí vou fazer minha laqueadura. Mas eu quero viver isso. Eu quero trazer essa vida de volta para o nosso lar, porque foi tirado, foi roubado. Não tem nada que repare, nada que amenize. Nada que mude”.

O outro lado

CRESCER entrou em contato também com a assessoria de imprensa do Hospital Geral de Pirajussara, que enviou a seguinte nota:

"Esclarecemos que a paciente R.M.O.S. deu entrada no Hospital Geral de Pirajussara no dia 20/09, por gestação pós-data para indução de trabalho de parto. Evoluiu, após 9 horas do início da indução farmacológica de trabalho de parto, para parto normal, sem intercorrências. O parto foi realizado no leito, com assistência obstétrica. A criança nasceu com 2860g, índice de Apgar 9/9 e foi recepcionada por neonatalogista. A paciente e o recém-nascido foram encaminhados para alojamento conjunto, após avaliação de puerpério imediato.

No entanto, com quatro horas de vida, a criança apresentou alteração de quadro clínico, com piora progressiva e óbito na UTI neonatal no dia 21/09. A hipótese diagnóstica do óbito é sepse neonatal precoce.

A sepse neonatal ocorre em 0,5 a 8/1.000 nascidos vivos. O início da sepse neonatal pode ser precoce, com menos de três dias de vida, ou tardio, após três dias de vida. Os fatores de risco para sepse neonatal precoce são rotura prematura de membranas por tempo prolongado, parto prematuro, colonização por bactérias do grupo estreptococos do grupo B (SGB), baixo peso ao nascer, baixo índice de Apgar, fatores socioeconômicos desfavoráveis, entre outros.

A sepse neonatal de início precoce deve-se geralmente a organismos adquiridos intraparto. Muitos lactentes têm sintomas nas primeiras 6 horas do nascimento. Em geral, a taxa de mortalidade na sepse de acometimento precoce é de 3 a 40% e na sepse de acometimento tardio é de 2 a 20%.

 

Toda a assistência prestada à paciente e à recém-nascida está descrita em prontuário médico e, na revisão do mesmo, não foi evidenciada nenhuma irregularidade. O Hospital Geral de Pirajussara está à disposição da paciente e dos familiares para esclarecimento de dúvidas, caso necessário"

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