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Cuiabá, 08 de Maio de 2024
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09 de Dezembro de 2011, 07h:55 - A | A

OPINIÃO / KLEBER LIMA

Saudades do deadline

KLEBER LIMA



Quando comecei no jornalismo na década de 1990 pensava que a maior opressão do repórter era o deadline, o prazo limite para se concluir as matérias.

O processo jornalístico é penoso. O leitor que consome uma notícia muitas vezes não faz ideia do passo-a-passo todo. Da pauta ao título há uma enormidade de situações. Conhecer o assunto, levantar fontes, contatá-las, ouvir o outro lado, revisar documentos, fatos históricos, pensar na fotografia ou imagem, no caso da TV, e finalmente sentar e escrever, esforçando-se para contar a história levantada com o máximo de apuro e, se possível, com alguma beleza estilística ou estética.

Há entre os jornalistas os que consideram a etapa da apuração mais importante que a da redação. Eu mesmo sou inclinado a pender para esse grupo. Se a história está bem levantada (conteúdo), não seria o jeito de escrever (forma) que determinaria sua relevância. Mas isso é tão terrivelmente controverso na medida que uma história mal-contada provavelmente não será lida -ou o será por menos gente que poderia ser.

Logo, ser capaz de contar a história de forma atrativa e inteligente acaba tendo um peso quase igual ao da apuração. Mas, sempre tomando o cuidado para não errar na mão, e confundir criatividade com excentricidade ou extravagância. Construir um título levando tudo isso em conta é algo destroçador.

Nesse sentido o deadline era ainda mais terrível. Porque o repórter às vezes leva o dia todo apurando uma história e ainda tem que escrevê-la em meia hora ou 20 minutos. Como ser criativo na produção em série?!

Especialmente nos dias de hoje, quando prevalece a economia das palavras, onde cada vez mais gentes se comunicam com os 140 toques do twitter ou por torpedos de celular, recriando o alfabeto à imagem e semelhança de meros caracteres, talvez a tarefa de escrever com estilo, de contar histórias de modo criativo seja ainda mais inatingível na atividade jornalística!

Pessoalmente, adoro o ato de escrever. Às vezes escrevo mesmo sem ter ideias - ou uma história - na cabeça. As palavras meio que vão brotando a partir das já grafadas, como que num passe de mágica. Mas, isso não é jornalismo. É crônica, poesia, passa-tempo ou qualquer outra coisa.

Jornalismo deve conter uma história, de preferência verídica! Ah, como assim?! Há alguns gêneros de jornalismo literário que permitem certas licenças poéticas, ficção, mas o objetivo será sempre contar uma história.

Durante anos escrevi apenas artigos, onde há menos rigidez e regras, uma vez que se trata não de contar histórias, mas de emitir opinião, fazer análises, divagar, lucubrar, deduzir, induzir, refletir coletivamente. Relendo-os, consigo ver como mudei de opinião em certos assuntos, e como certos assuntos ainda me parecem eternos – e sobre os quais não é possível mudar de opinião, jamais.

Voltar às redações, oportunidade que o HiperNoticias me dá há quase nove meses, contudo, me forçou a recuperar a mão para escrever notícias. A rigidez aos fatos, a busca pelas fontes, a confirmação de algo óbvio, mas que necessita de provas, muitas vezes é muito estressante. Ouvir o outro lado, quando o outro lado não quer falar, então, chega a ser brochante, frustrante, revoltante.

E, qual não tem sido minha surpresa ao ver que, na imprensa digital, nos sites, o deadline simplesmente não existe: toda hora é hora de se contar uma história, porque do outro lado da tela do computador há sempre alguém querendo consumir uma notícia nova.

Se o deadline era a própria opressão, mal sabia eu que sua extinção criaria a auto-escravidão! Se não nos policiarmos, trabalhamos 24 horas por dia, num ritmo frenético que desafia a capacidade produtiva humana. E, pior, tira o prazer do ato de escrever, de contar histórias.

Um site de notícias, por essa minha experiência, é uma página de jornal permanentemente em construção, aberta, com as letrinhas em movimento – e acelerado! Não há mais o ciclo diário: acordar, ler a concorrência, verificar as pautas, pausar para almoço, retomar o levantamento e, finalmente, redigir: missão cumprida! Qual nada. Tudo termina e começa quase ao mesmo tempo. Se no jornal a notícia perece em um dia, nos sites elas podem envelhecer antes de nascer, se não se tomar certos cuidados para evitar o fenômeno do “paradoxo dos gêmeos”.

Escrevo este artigo no dia em que completo 42 anos. Talvez seja só reflexo tardio da crise dos 40. Mas, que saudade do deadline!

KLEBER LIMA é jornalista e Diretor do HiperNoticias

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