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Cuiabá, 14 de Maio de 2024
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05 de Dezembro de 2011, 07h:47 - A | A

OPINIÃO / JÚLIO MEDEIROS

Caso Josino: absurdo do Júri?

JÚLIO MEDEIROS



Tendo-se em vista as contundentes críticas tecidas na mídia impressa e falada sobre suposto "absurdo da decisão" prolatada pelo Júri federal em julgamento recente, é mais do que necessário um mero esclarecimento jurídico sob tal aspecto, com simples considerações acerca de eventual contradição manifesta.

Todavia, é bom deixar claro que não escrevo na condição de advogado criminalista (representando um interesse particular) ou na qualidade de secretário-adjunto da Comissão de Processo Penal (representando a instituição da OAB/MT), nada disso. Externo minha opinião para os estudantes, profissionais e, principalmente para a sociedade, apenas na condição de professor de Direito Penal da Universidade Federal de Mato Grosso.

Como se sabe, o Júri reconheceu a autoria do crime por unanimidade no primeiro quesito. No segundo quesito, reconheceu que o acusado foi o mandante do crime por maioria de votos. E, no terceiro e último quesito, absolveram o acusado por maioria de votos.

Posto isto, inúmeras foram as vozes no sentido de que a sentença foi "um absurdo", uma contradição, algo vergonhoso. Em síntese, como o Júri pode afirmar que o acusado foi o mandante do crime e, ainda assim, absolvê-lo? Eles não entenderam os quesitos? Existiu contradição? A absolvição não foi condizente com as teses defendidas em Plenário? Será que houve a defesa da negativa de autoria como tese única?

Pois bem, este é um caso extremamente simples e comum, nada de mais, igual a esse existem milhares pelo país afora, a primeira vista não há qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, muito pelo contrário. Vou explicar. O raciocínio deve se pautar primeiramente pela análise da decisão sob o aspecto da lógica jurídica, dizendo se ela foi absurda ou não e, subsidiariamente, no caso de ser uma singela decisão, se houve alguma contradição ensejadora de nulidade absoluta. Apenas isso.

Em primeiro lugar, o Juiz Presidente pode ficar tranquilo porque os quesitos foram de suficiente clareza e necessária precisão, impossível até um leigo confundir. Em segundo lugar, pelo que foi apresentado em Plenário o julgamento nem ao menos deveria ter chegado ao terceiro quesito, pois esse foi um caso clássico de absolvição pela dúvida razoável com a tese apoiada na descaracterização da suposta ligação do acusado com determinadas peças-chave no processo, com a intenção de deixar claro que não existiram provas robustas de que o acusado foi o mandante (autor intelectual) do crime. Muito simples. Ao que parece, faltou pouco para o Ministério Público Federal pedir a absolvição do acusado.

Vamos analisar sob outro prisma. Se a votação foi por maioria e alguns votos não foram abertos pode-se, destarte, criar uma "falsa percepção da contradição". Como assim? Suponhamos que o juiz pergunte aos jurados se o acusado foi o mandante do crime, então os jurados: "A", "B" e "C" (dentre os sete) escrevem "não" em suas cédulas, todavia, seus votos não são abertos, pois o magistrado desvenda quatro outros votos que contém a palavra: "sim".

Por conseguinte, qual o resultado? Cessa-se imediatamente a votação em respeito ao sigilo dos veredictos e, desta forma, não é divulgado o teor dos outros votos que estão sobre a mesa do magistrado. Em síntese, as decisões do Tribunal serão tomadas por maioria de votos (art.489 do CPP).

Muito bem, o Júri acabou de reconhecer que o acusado foi o mandante do crime. Qual é o próximo passo agora? Ora, simplesmente cumprir o art. 483, § 2º do Código de Processo Penal e elaborar o terceiro quesito, qual seja: "O jurado absolve o acusado?", no fito de que o Júri possa tomar a sua decisão de forma soberana. Mas para que elaborar um quesito genérico? Simplesmente para abarcar todas as teses de defesa (ainda que implícitas) e ponto final, indiscutível, técnica com inspiração no direito norte-americano ("Guilty or not guilty").

E, no caso em tela, qual foi o resultado do terceiro e último quesito? Absolvição por maioria. Isso configura um absurdo? Não, vou explicar. Vamos pensar com base nos jurados que votaram no sentido de não ser o acusado o mandante do crime, mas que não foram revelados. Se o juiz formula um quesito perguntando: "O jurado absolve o acusado?", qual será então, o voto dos mesmos jurados: "A", "B", "C"? Ora, pela absolvição, claro, porque eles já votaram no sentido do não reconhecimento da autoria intelectual do homicídio.

Contudo, não se consegue absolver ninguém com apenas três votos. Portanto, conclusão lógica: pelo menos um jurado votou reconhecendo ser o acusado mandante do crime e, depois, o absolveu.

Grande pergunta: isto é um absurdo ou uma quimera jurídica? Claro que não, em síntese, no Júri vige o princípio da certeza moral ou da íntima convicção, o jurado não precisa fundamentar sua decisão como deve fazer o Magistrado (por força do art.93, inciso IX da CF), ele pode absolver simplesmente pelos seus sentimentos, pelas circunstâncias do crime, por clemência; não vou aqui ficar explicando o que se entende por soberania do júri, basta ler a parte final do art. 482 do Código de Processo Penal e estudar alguns princípios processuais penais específicos.

Vejamos apenas uma hipótese. Em uma cidade do interior mato-grossense existe um homem admirado por praticamente todos os seus pares; de ótima índole, trabalhador. Certo dia ocorre uma tragédia: sua filha é estuprada dentro de casa, por um rapaz também avaliado por todos naquela pequenina urbe. Então, o pai da moça vê o criminoso todos os dias na rua, impune e dando risadas.

Desta feita, resolve se igualar a ele, "friamente" falando. Como não tem coragem para matar alguém, não sabe atirar, enfim; paga outro homem para cometer o "homicídio mercenário", ficando, portanto, o pai da moça vitimada como mandante do crime. A promotoria consegue levantar provas inequívocas desta autoria intelectual.

O crime, por si mesmo, não tem justificativa. Este bom homem é pronunciado ao Júri (bastam indícios suficientes da autoria, art.413, caput, do CPP). O Promotor (que é de Justiça, mas cumpre a função de acusador) não pede a absolvição, como deveria fazer. Os quesitos são, então, votados após os debates em Plenário. Primeiro quesito, materialidade reconhecida: 4 x 0.

Segundo quesito, autoria admitida: 4 x 0. Terceiro quesito: "O jurado absolve o acusado?", absolvição por 4x0, por seus próprios pares, pela sociedade. Houve algum absurdo? Ora, é mais complexo do que se imagina.

Em síntese, pode-se comprovar lógica, concreta e juridicamente que a decisão dos jurados não foi absurda no caso concreto. Absurdo é afirmar que a ela foi absurda. O princípio constitucional da soberania dos veredictos deve ser colocado em primeiro plano, salvo raríssimas exceções para se prestigiar o devido processo legal, princípio reitor do processo penal.

É óbvio que, na esteira de Guilherme Nucci, a absolvição deveria cingir-se às teses defensivas apresentadas durante o debate, mas a intenção do legislador, ao promover modificações na formulação dos quesitos foi claramente prestigiar o sistema da íntima convicção, não estando o jurado vinculado a teses apresentadas em plenário.

Em síntese, o jurado pode absolver o acusado levando em conta, por exemplo, possíveis "motivos determinantes" do crime em análise ou por mera postergação do momento de aplicação do benefício da dúvida. Isso é de clareza solar.

Assim, afastado o absurdo da decisão, a notável preocupação passaria a ser, por conseguinte, a análise de "contradição manifesta" ocorrida no julgamento, que ensejaria prima facie a aplicação do art. 490 do Código de Processo Penal, devendo o juiz explicar aos jurados em que consiste a eventual contradição e submeter o caso à nova votação dos quesitos a que se referirem as respostas e, subsidiariamente, a alegação de nulidade do julgamento por força do art.564, parágrafo único, parte final, da Lei Instrumental Penal.

Se a hipótese é mesmo de nulidade, não vou me posicionar nem como Professor, vejamos os profissionais do caso. Voltando-me para a sociedade, digo que a crítica ao resultado do julgamento é válida, pois todos tem o direito de opinar, mas afirmar tratar-se de uma decisão absurda revela no mínimo falta de conhecimento.

Independentemente de qualquer coisa, todos devem ter um conhecimento mais aguçado sobre a Constituição Federal, sobre o valor de seus princípios e de suas cláusulas pétreas, sempre lembrando, em contrapartida, que no sistema constitucional brasileiro não existem direitos ou garantias que se revestem de caráter absoluto.

Direito é bom senso. Se o acusado foi absolvido pelo Tribunal Popular a manutenção de sua prisão é desnecessária, salvo se houver outros motivos ensejadores. Para os alunos, diria que em virtude de casos como esse entendo a crítica ao Tribunal do Júri feita por Aury Lopes Jr., destacando que "seu golpe fatal está na absoluta falta de motivação do ato decisório dos jurados", mas, com o devido respeito, o autor tem uma visão reducionista do instituto, pois o crime é um fato do mundo sensível e o criminoso, um trecho flagrante da humanidade.

JÚLIO MEDEIROS é professor de Direito Penal da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), advogado criminalista, secretário-aadjunto da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT.
www.criminalistanato.blogspot.com

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